19.10.06

Balzaquianas, ou A Hermenêutica do Divino

A cultura da família é (ou era, quando havia família) mais anglófila do que francófila, pelo que, na idade em que se lêem os clássicos, não li Balzac. Contudo, um termo que ele cunhou, "Balzaquianas", persegue-me desde a adolescência - ("posso não o ter lido, mas li decerto quem o leu...") Enfim, talvez "perseguir" seja um exagero. Mas que trago a palavra comigo desde que sei que o outro sexo existe, isso trago.

Na altura, era sinónimo de "velhas", e alvo de uma curiosidade algo mórbida. Mas apesar disso já tinha uma conotação positiva, ligeiramente positiva, ainda eu estava longe de saber porquê. Na verdade, aos meus quatorze anos sabia que havia "velhas" (todas as mulheres com mais de 20) e "balzaquianas" (as mulheres entre os trinta e poucos e os quarenta e poucos). Essas duas categorias não se misturavam, apesar do problema lógico que isso constituía (sempre fui capaz, sabe bem quem me conhece, de conviver com paradoxos lógicos).

Hoje, porém, tive a sorte de ir almoçar a um restaurante que mais parecia um armazém de balzaquianas, um viveiro, uma nascente, um catálogo, uma galáxia, que sais-je? E hoje, que sei que uma balzaquiana não é, tant s'en faut, uma velha, longe disso, que sei, por experiência experimentada que é uma mulher no auge, no zénite, das suas qualidades e - seja Deus louvado - dos seus defeitos, apercebi-me do erro crasso da minha juventude.

Uma balzaquiana não é uma velha, é uma senhora. É um vinho que se abriu, é o mar com força 3 a um largo, é uma autoestrada vazia num país sem limites de velocidade, é um automóvel potente com o qual percorrer essa autoestrada, é uma canção do Leonard Cohen cantada pelo próprio ao vivo, é uma praia do Índico à meia noite, é um barco de regatas a rondar uma bóia com uma tripulação bem treinada, é um poema lido por um cego, é um pôr-do-sol cósmico, é a aliança perfeita entre as provações do passado e as exigências do futuro, é um comboio na pradaria, é um pôr-do-dol na savana, é um whisky nos alízeos, é uma paisagem africana vista de avião.

Enquanto que numa jovem (digamos, até aos trinta e poucos) tudo esta à vista, uma balzaquiana exige um trabalho de dedução que deve ser apreciado à sua justa medida. Há nela uma mistura de coisas que ela aprendeu a esconder e de outras que se esconderam, quer ela tivesse querido quer não. E isso torna esse trabalho de intepretação uma hermenêutica do divino (isto é um pleonasmo? Benditos pleonasmos).

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