Nunca percebi bem como cheguei àquele ponto. Mas sei que gostava dele: se houvesse, em terra, uma prisão ou uma liberdade absolutas, seria a falta de dinheiro. Não há: só no mar. Mas isso pouco me interessava: seis anos de vagabundagem, seis anos de fugidias fodas nas casas de banho públicas, seis anos de ainda mais fugidias lavagens nessas mesmas casa de banho, seis anos de vinho horroroso do acordar ao dormir, onde calhasse, quando calhava.
Vivia de esmolar na rua, de roubar nas lojas, de mendigar nos restaurantes – não era, forçoso é reconhecê-lo, uma grande diferença com a minha vida anterior: mas esta era mais limpa, mais clara, mais honesta.
Não sei como lá cheguei, não me lembro e não penso muito nisso: recordo vagamente a morte da Mãe; um amigo que de repente decidiu começar a odiar a sua própria vida, tão cheia de sucesso, e tudo o que dela fazia parte, incluindo eu; um ou dois burocratas que prestavam mais atenção ao seu poder do que ao seu trabalho; uma série de mulheres cujo vocabulário se reduzia a “não, não e não”; a visita de uma senhoria irada acompanhada por 5 ou 6 ciganos e um cão. Pouco importa. Entrei naquela vida como se morre afogado, gota a gota. A minha vida sempre foi cheia de altos e baixos, mas os altos eram cada vez mais baixos, e os baixos também – e de repente tudo estabilizou, no mais baixo ponto possível.
E um dia, muitos anos depois, surpreendi-me a falar a um espelho, numa espelunca de Lagos, onde muitos anos antes tinha engatado uma pintora malcheirosa mas boa e bonita e sensual. Foi assim: não dei por mim a entrar, mas dei por mim a querer sair. A descer todos os santos ajudam, mas a subir só há demónios.
Saí, claro. Saímos sempre, quando queremos. Mas não me livrei dos demónios.
Vivia de esmolar na rua, de roubar nas lojas, de mendigar nos restaurantes – não era, forçoso é reconhecê-lo, uma grande diferença com a minha vida anterior: mas esta era mais limpa, mais clara, mais honesta.
Não sei como lá cheguei, não me lembro e não penso muito nisso: recordo vagamente a morte da Mãe; um amigo que de repente decidiu começar a odiar a sua própria vida, tão cheia de sucesso, e tudo o que dela fazia parte, incluindo eu; um ou dois burocratas que prestavam mais atenção ao seu poder do que ao seu trabalho; uma série de mulheres cujo vocabulário se reduzia a “não, não e não”; a visita de uma senhoria irada acompanhada por 5 ou 6 ciganos e um cão. Pouco importa. Entrei naquela vida como se morre afogado, gota a gota. A minha vida sempre foi cheia de altos e baixos, mas os altos eram cada vez mais baixos, e os baixos também – e de repente tudo estabilizou, no mais baixo ponto possível.
E um dia, muitos anos depois, surpreendi-me a falar a um espelho, numa espelunca de Lagos, onde muitos anos antes tinha engatado uma pintora malcheirosa mas boa e bonita e sensual. Foi assim: não dei por mim a entrar, mas dei por mim a querer sair. A descer todos os santos ajudam, mas a subir só há demónios.
Saí, claro. Saímos sempre, quando queremos. Mas não me livrei dos demónios.
Caro Luís,
ResponderEliminarNão resisto a dar os parabéns por esta vaga de inspiração, desde o "Paredão" até "Barcelona 2003".
Deixo o comentário neste post por ter sido o que mais gostei.
Muito bom.
Miguel
Caro Miguel,
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário. Aproveito também para lhe agradecer o link no seu blog, só agora o vi (não vou com a frequência que devia ao technorati).
Para Lanzarote, como dizem os franceses, "merde!".
Luís, é bom pensar (ou saber) que «saímos sempre, quando queremos», mesmo não nos livrando de certos demónios. Porque estas situações, que tão expressivamente evoca, têm sempre um horrível travo de irreversibilidade.
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