29.3.09

Uma precisão importante

Não gosto de unanimismos, não sou católico nem mesmo não-praticante, não gosto de imposições venham elas de onde vierem - excepto as do bom senso e as da razão. É por isso que acho este texto importante:

"Os beatos do látex

Começo por esclarecer que sou médico há 29 anos, e responsável pelo mais antigo site em Portugal sobre sexualidade (10 anos de actividade ininterrupta), com mais de 3 milhões de visitas e acima de 15.000 perguntas respondidas. Serve esta introdução apenas para ilustrar que tenho provavelmente mais experiência e, sobretudo, actividade concreta na área da informação sobre sexualidade que com certeza muitos dos iluminados que hoje em dia vemos a debitar sentenças sobre esta matéria.

Desde sempre defendo o uso do preservativo como o meio mais eficaz de protecção das doenças de transmissão sexual em caso de relações casuais, incertas ou com infectados confirmados. Durante esse tempo, no consultório on-line que existe no site, ou na minha actividade médica diária, já recomendei a utilização do preservativo milhares de vezes.

Sucede que, como também tenho sempre o cuidado de informar, o preservativo tem uma taxa de falhas média em termos de contracepção de 5% e em termos de protecção da SIDA terá eventualmente mais, apontando a Organização Mundial de Saúde para 10% de falhas (ou melhor: 90% de eficácia, o que vem a dar no mesmo)*.

Se pensarmos (exercício pelos vistos a cair em desuso) que o vírus da SIDA é cerca de 400 vezes mais pequeno que um espermatozóide, que os preservativos podem ter microporos, que podem rasgar, que podem ser mal colocados ou escorregar, que a gravidez só acontece se os espermatozóides passarem o preservativo na fase fértil (3 dias por mês) enquanto a SIDA se pode transmitir em qualquer altura, ou que a gravidez só acontece com a passagem do esperma para a vagina e o vírus da SIDA se pode contagiar por outras vias não protegidas pelo preservativo (sexo oral ou contágio boca a boca se houver lesões sangrantes), vemos que a margem de falhas terá que ser, infelizmente, demasiado grande, não obstante os negacionistas serem muitos.

Imagino que ao dizer isto estou a indignar muitos dos pseudo-preocupados com o problema da SIDA. Acontece que para mim (talvez porque me preocupe com os doentes e não com os aproveitamentos político-ideológicos que se possam fazer à custa das doenças deles…) tanto é condenável o fundamentalismo religioso que incute conceitos errados na cabeça das pessoas, como o é qualquer outro, concretamente, no caso presente, o novo fundamentalismo anti-religioso que hoje em dia é de bom tom manifestar e que leva a
escrever perfeitas irresponsabilidades como as que ultimamente se podem ver na imprensa ou ouvir à mesa dos cafés (o que é cada vez mais a mesma coisa…).

De qualquer modo, a lamentável e preocupante situação que temos é a seguinte: de um lado a Igreja Católica que apenas reconhece a fidelidade e abstinência como caminhos eficazes para a combater a SIDA, o que é tecnicamente correcto, mas na prática fortemente irrealista, e por isso seria muito positivo se acrescentasse que, no caso de não se cumprirem as duas premissas que defende, o preservativo será a melhor protecção possível, embora não absoluta. Do outro lado temos uma espécie de neo-fundamentalistas “beatos do látex” que, sob o pretexto de combaterem ideias retrógradas, fazem a generalidade das pessoas acreditar em duas coisas perigosamente erradas: que a Igreja proíbe o uso do preservativo (o que não é verdade, apenas não o preconiza nem defende o seu uso, o que não é exactamente a mesma coisa e pode fazer toda a diferença na cabeça de um pecador ortodoxo mais fanático), e, facto grave que não hesito em classificar de voluntariamente criminoso, incute a ideia de que o uso do preservativo é eficaz a 100%, quando, na verdade, pode falhar demasiadas vezes.

Já agora, convido-os a fazer uma experiência: peçam a um médico, QUALQUER médico, que lhes passe uma declaração assinada a comprovar que o uso do preservativo o (a) protege integralmente da transmissão da SIDA em todas relações sexuais que possa vir a ter….o resultado será óbvio. É que afinal o cinto segurança também é um método fundamental para evitar mortes na estrada, e é por isso qualquer pessoa responsável recomenda o seu uso, mas ninguém no seu juízo normal afirma que, ao colocá-lo, os condutores
se podem atirar contra um muro a cem à hora …pelo menos até ao dia em que recomendar conduzir com precaução possa ser considerado “retrógrado” ou politicamente incorrecto.

Fernando Gomes da Costa
Médico (cédula profissional 22027 da Ordem dos Médicos)

* Já na Wikipédia se pode ler: According to a 2000 report by the National Institutes of Health, correct and
consistent use of latex condoms reduces the risk of HIV/AIDS transmission by approximately 85% relative to risk when unprotected
"

3 comentários:

  1. Não chego a perceber a tese deste médico: como o preservativo não é infalível em 100% dos casos, quem o recomenda é inconsciente e "voluntariamente criminoso"???? Ou será que a alergia militante a tudo o que é politicamente correcto (nem sempre errado, lamento) é mais importante do que a razão e a prevenção da sida? Estamos a brincar?

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  2. Ana, antes de te indignares lê o texto com atenção.

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  3. Já li, duas vezes. E não estou indignada, estou só irritada com uma tese que me parece inútil e confusa. O preservativo não é infalível? Pois não. So what?

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.