As igrejas
Há uma igreja e um teatro em cada um de nós. As igrejas escondem-se, quase não se vêem - estão sempre num post acima, atrás de um prédio, no meio de uma praça. Parece um contra-senso, eu sei: as igrejas estão sempre bem visíveis. Quase nos saltam para cima, mesmo quando não as queremos ver. Na verdade, vêem-se quando queremos vê-las, e não se vêem quando não se querem dar a ver: eu apercebo-as, às vezes, numa fotografia ou ao vivo, de um banco de lá de dentro. Nunca são brancas, as igrejas, vistas de dentro: são cinzentas, estúpidas, pesadas, opressoras - como quem as visita, nós. Vistas de fora não: são brancas e inteligentes; harmoniosas, elegantes, quase; leves. Espreitam-nos, desafiam-nos, atiçam-nos.
As mulheres são como as igrejas: brancas por fora e insondáveis por dentro. As que valem a pena. (Os homens são ao contrário: por dentro são brancos como um dia sem pecado).
Eu gosto de igrejas: de as visitar, de as ver, de nelas entrar e visitar-me (como se houvesse alguma coisa a ver). No fundo, as igrejas são isso mesmo, são diferentes para os homens e as mulheres: porque igrejas somos nós todos, cada um. Não sei falar de igrejas: é por isso que não sei fotografá-las. Prefiro-as escondidas, atrás das circunvalações daquilo que vemos, quando as - nos - visitamos.
Uma igreja não passa de uma forma que se molda ao conteúdo, em vez de o moldar. Vista de dentro, claro. De fora não é nada disso: é uma infinita vontade de dizer; uma interrogação sem ponto, nem princípio ou fim; uma colecção harmoniosa de curvas; um dia ocioso com uma máquina fotográfica na mão, um dia sem fim; uma vida sem dias.
Luís, se não discordo da sua comparação das mulheres com as igrejas, discordo vivamente da sua descrição das igrejas vistas por dentro (mesmo com o «estúpidas» em itálico). Cinzentas? Talvez, embora já tenha visto concertos em igrejas profusamente iluminadas que ficam, de repente, mais claras do que o próprio branco. Pesadas? Talvez. As igrejas antigas apostam na pedra e na grandiosidade. Opressoras? Para mim, não. Eu é que posso sentir-me oprimida pelas circunstâncias da vida. Mas o silêncio cavo e o espaço das igrejas tranquiliza-me – como me tranquiliza o silêncio e o espaço de uma grande biblioteca – e parece que me atira para uma quarta ou quinta dimensão, onde mal consigo pensar, o que é muito libertador. :-)
ResponderEliminarAqui tem um texto tão interessante como polémico!
Luísa,
ResponderEliminarentro opr vezes em igrejas, para pensar - ou para não pensar, para me refugiar. Era a isso que me referia: entro numa igreja quando me sinto estúpido, incapaz de resolver um problema; ou triste, infeliz; ou pesado.
Nunca, apesar das inúmeras situações complicadas, opressoras, por que passei ou passo me senti oprimido pela vida. Nunca me senti oprimido fosse por quem ou por o que quer que fosse - não sei se por deficiência nata, se devido a um espírito de luta hiper-(e estupidamente)-trofiado. Apesar de sentir, e ver a opressão.
A descição que faço do interior das igrejas é a dos meus estados de espírito quando nelas entro; admito que não seja partilhável, ou facilmente compreensível - questão de falta de talento da minha parte).