8.8.11

Saber e não

Uma das coisas que mais me fascina quando navego com pessoas que têm menos experiência da navegação do que eu é a resistência que muitas fazem a aprender o que quer que seja de uma área que, para elas, não passa de um hobby.

Há várias razões para este fascínio: primeiro, porque é uma negação da realidade. A minha experiência da navegação pode ser quantificada; a minha passagem pela Escola Náutica Infante D. Henrique está comprovada, não é um "achismo". O que sei de navegação aprendi-o formal e empiricamente, comprovadamente o melhor mix de aprendizagem. Segundo, porque, como disse acima, a navegação para essas pessoas é um hobby, quando para mim é uma profissão: não há (ou não devia haver) rivalidades profissionais em jogo. Terceiro, porque essas pessoas preferem correr riscos (como foi recentemente o caso, com nevoeiro no Tejo; antes disso numa ida à Venezuela, e em várias passagens que fiz nas Caraíbas) a ouvir um profissional que só por manifesto erro continua a querer ensinar quem não quer aprender. Quarto, e último, porque quando navego com alguém que sabe mais do que eu - e que muitas vezes não sofre da minha irrepressível (e intrusiva, no justíssimo dizer de um amigo querido) tentação pedagógica - tento não perder uma migalha do que faz, para aprender.

Sei que se passa a mesma coisa na informática - ponham um computador nas mãos de quem quer que seja e em dois meses essa pessoa sabe mais do que o conjunto de programadores da Microsoft. Mas não sei se se passa com outras profissões.

Tenho pensado no assunto vezes sem conta e começo, só agora, a chegar a algumas conclusões. A primeira é que esta atitude é mais frequente em amadores do que em profissionais - a imagem de Ellen Mcarthur a entrar em minha casa e cinco minutos depois perguntar-me a minha opinião sobre um determinado fenónemo climatérico português é apenas o epítoma disso; há muitos mais exemplos (para a petite histoire: discutimos o assunto, mas no fim eu disse a Ellen que quem lhe devia perguntar as coisas era eu, e não ela a mim). Outra, é que tem a ver com as profissões das pessoas - se forem boas naquilo que fazem profissionalmente terão mais dificuldade em aceitar que o não são noutras. Acresce que muitas não vêem que aquilo que para elas é um hobby é para mim uma profissão (e a verdade é que isto acontece muito mais frequentemente quando estou a fazer uma viagem com amigos do que quando navego profissionalmente). Por outro lado - e não penso ter esgotado a lista de razões, mas fico por aqui - a expressão "em minha casa faço como quero" aplica-se ainda com mais força a bordo de uma embarcação de recreio do que no domícilio de cada um.

Com o tempo fui aprendendo a não dizer nada quando vejo pessoas de quem não gosto fazer asneiras; agora vou aprender a fazer o mesmo com aquelas que aprecio e de quem sou amigo e controlar, finalmente, a minha mania de partilhar o que sei, tão chata.

Nota: a atitude de que falo neste post não é exclusivamente portuguesa, muito longe disso. E deve estar na raiz de uma particularidade da legislação francesa que me sobressaltou um bocadinho: em França o responsável por um acidente a bordo não é forçosamente o skipper formal e anunciado; é a pessoa a bordo que tem mais experiência, quer a autoridade lhe tenha sido reconhecida pelo armador ou pelo skipper quer não. Especifidade essa que me levou a começar a anunciar previamente, quando embarcava como tripulante e me apercebia de que o skipper percebia tanto daquilo como eu de cirurgia não intrusiva que a aplicaria, e que se não estivessem de acordo mo dissessem porque ainda ia a tempo de desembarcar.

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