11.3.13

Chuva, casa

É da chuva que quero falar. Dos vários tipos de chuva. Lâminas finas, afiadas, brilhantes como sangue recém-saído de uma artéria; bocados de vidro moído, finos de entrarem pelos poros; casas. É das casas que quero falar. Agarro uma e digo-lhe "agora és minha para sempre" e assim foi. Levo-a comigo para onde quer que vá. Isto aconteceu há muitos anos. Viveu no mar, na terras quentes do ventre do mundo, nas terras gélidas do centro.

Hoje a minha casa disse-me "preciso de raízes. Se não encontrares uma terra para eu penetrar, uma terra para eu fecundar seco e caio como os seios de uma velha infértil". "Terás a terra toda e o tempo, quando eu morrer". "Não posso esperar até lá. Morrerei antes, seca e vazia".

A chuva continua.

Encontrei uma terra, entre o mar e o vulcão. "Não posso ir mais longe". "Aqui estamos bem, se conseguires resistir ao apelo do vulcão e ao do mar azul".

"A minha cratera está aberta para ti", diz-me o vulcão. "Olha para este azul infinito", diz o mar. A minha casa não lhe dá ouvidos.

Eu sou a minha casa. As suas raízes são as minhas, as suas paredes a minha pele, as janelas os olhos. Juntos fecundámos a terra. A minha casa. A minha chuva.

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