6.3.14

Diário de Bordos - Red Frog Marina, Bocas del Toro, Panamá, 06-03-2014

O Electra-san, um sistema elétrico de tratamento de resíduos (do qual de resto gosto bastante, é muito melhor do que tanques de águas negras) estava a cheirar mal há muito tempo. Comecei por lhe fazer um by-pass e mandar os dejectos directamente para o mar; não é o ideal, mas enfim, é pelo menos o habitual. E limpei-o bem, já quase não tem cheiro (o quase deve-se a uma inegável falta de vontade de o abrir). Depois a bomba da retrete parou. Estava bloqueada. Desmontei-a, limpei-a e voltei a montá-la. Hoje a bomba da retrete - a mesma, claro - parou de bombar. Desmontei-a outra vez mas não a montei - preciso de peças. Ou seja, três dias em trabalhos de merda. E agora, por causa de uma merda de um impeller de merda (literalmente) corro o risco de não conseguir largar nem sábado.

A vela faz-me sempre pensar naquela velha piada dos horários de comboios espanhóis: Sale a las diez, llega quando llega. Na vela é Sai quando sair e chega quando chegar.

Enfim, não é só na vela. Com os barcos a motor é a mesma coisa. É o mar, ou antes esta vontade que temos de lá andar e os materiais não são feitos para isto: movimento, água salgada, humidade permanentes. É um ambiente difícil, o mar.

Mas aos homens faz bem. Só aos bichos e aos materiais é que não.

Ontem sonhei que estava em São Luis a comer na tasca da tia Bica. Acordei contente, mas foi sol de pouca dura pois rapidamente me apercebi de que ainda estava no Panamá.

Porra! E nem uma cerveja tenho a bordo.  Pelo menos não tem chovido muito, já é qualquer coisa. E a minha tripulação é adorável.

Estão impacientes, claro; quem não está. Mas seguem à risca o preceito francês: contre mauvaise fortune bon coeur.

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O barbecue ontem correu bem; mas acabou por vir pouca gente e sobrou bastante peixe. Hoje comemo-lo ao almoço, cozido. A barracuda é um peixe delicioso; tem um cheiro um bocadinho forte, é certo. Mas a carne é saborosa, rija. É um predador voraz. Mais vale comer predadores do que presas? Talvez, e não se aplica apenas aos peixes.

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O meu vizinho de vante é um casal turco, relativamente jovem. Bastante simpáticos e bonitos (ela não é só bonita, mas isso é outra história). Conhecem bem Portugal: o barco foi-lhes entregue em Lagos e comissionado (isto cheira-me a anglicismo à milha; se alguém tiver uma sugestão agradeço) pela Sopromar.

O estaleiro é muito bom, ainda não encontrei ninguém que dissesse o contrário (B., o senhor turco, diz que são melhores do que qualquer estaleiro que conhece nos EUA; e eu acredito). Mas também ainda ninguém me disse que os preços são aceitáveis. Ir para a Sopromar parece-me quase um símbolo de distinção, como comprar um Ferrari ou um duplex num arranha-céus de Nova Iorque.

Eu só lá fui duas vezes: a primeira e a última. Mas fiquei com nostalgia de Lagos, do Algarve, de Portugal. B. e a mulher estiveram mês e meio em Portugal; não precisava de tanto. uma semanita em Mértola e outra em Lisboa já me encheriam de felicidade.

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A dor de dentes continua num nível bastante suportável. aposto que só vai piorar quando estiver no mar. A continuar assim qualquer dia sonho que estou em São Luis numa cadeira de dentista.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.