8.7.14

Diário de Bordos - São Luís, Maranhão, Brasil, 08-07-2014

Os transportes em comum de S. Luís são péssimos (isto porque estou em dia de ser generoso e bem educado. Em dias normais diria que são uma merda infecta). Há várias razões para isso: o mau estado dos veículos - são poucos para o movimento que têm e não deve haver muito tempo para manutenção - e das ruas - têm buracos que fariam António Costa passar por um autarca modelo - a má formação dos condutores, todos descendentes falhados (ou loucos) de Fangio, a ausência de faixas bus, a falta de autocarros (como na piada de Woody Allen: a comida é má e as porções pequenas).

É por isso raro apanhar um autocarro aqui. Faço-o aos domingos quando quero ir à praia ou quando, muito raramente, preciso de ir a um centro comercial e tenho tempo.

Geralmente ando a pé (pouco, a cidade está mais perigosa agora do que há dois anos) de táxi ou moto táxi. Amanhã vou comprar uma bicicleta, com a qual espero poder combinar a mobilidade e o bem estar físico. A mim S. Luís.

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Wellington aprendeu finalmente a calar-se; mas hoje cometeu um erro para mim imperdoável e vou ter de mudar de condutor de táxi. As pessoas são pobres e a pobreza fá-las cometer erros que as mantém na pobreza.

Enfim, não seria por minha causa que ele enriqueceria. Mas tinha ali um rendimento garantido e agora vai ter de o procurar. E não vai conseguir substítui-lo a cem por cento. Isto para ganhar vinte reais.

Já Regiane fez uma coisa mais ou menos semelhante com a lavagem da roupa (com a diferença fundamental de não me ter enganado).

Compreendo-os e empatizo, mas não sou paternalista. Cada um é responsável pelos erros que faz.

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Por falar em paternalismo: ontem deu dinheiro à senhora angolana que vende porta-chaves. É muito raro dar dinheiro; em Lisboa, pouco antes de vir dei o meu casaco de bombazine azul a um sem-abrigo. Dinheiro não me lembro de ter dado, antes desta noite, em muito tempo.

A senhora estava visivelmente aflita mas apesar disso não me pediu dinheiro e - prova de que é pessoa séria - dei-lhe dez reais para ela ir trocar e ela veio com o troco. Não fugiu com o dinheiro como pensei que faria. Dei-lhe sete reais e ela foi a correr ver se ainda apanhava o Sousa dos cachorros aberto.

Recentemente uma pedinte dessas miseráveis que pululam no Reviver pediu-me dinheiro. Estávamos ambos ao balcão do Senzala, a taberna do meu amigo Raimundo. Disse-lhe que não e ela perguntou-me Você está dizendo que não porque pensa que eu vou comprar droga, não é? Não, não é. Estou-me nas tintas para o que tu fazes com o dinheiro a partir do momento em que to dou. De qualquer forma, se usares o meu para comer usas o de outra pessoa qualquer para o crack.

Foi no Burundi que me confrontei pela primeira vez com este problema. Muitas ONG (principalmente as católicas) escandalizavam-se porque os refugiados vendiam as coisas que lhes dávamos. Eu dizia-lhes que isso me era indiferente. O meu trabalho era ajudar os refugiados. Se eles tansformavam as lonas em dinheiro estávamos a ajudá-los, não? Eram suficientemente grandes para saber se preferiam os objectos ou o dinheiro dos objectos.

(Além disso davam-me um óptimo instrumento de previsão de necessidades: quando os preços subiam no Mercado eu sabia que tinha de começar  a preparar novos envios. Monitorizava os preços de tudo os que lhes dávamos e os das armas, para ter uma ideia da segurança).

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Ontem apeteceu-me sair do Reviver, do seu ambiente sórdido e cheiro a mijo e fui jantar para os lados da praia. Convidei uma jovem francesa que conheci na Pousada. É directora da Alliance Française, professora de francês e mais não sei o quê. A conversa é penosa. A rapariga não se tem em muito baixa conta, antes pelo contrário. Mas debita banalidades como as Kalash cujo preço eu monitorizava em Bujumbura debitam balas.

A certa altura cito-lhe uma frase do pai de Marguerite Yourcenar de que gosto muito. Yourcenar, pergunta-me. Não queres dizer Duras? Não, M., não quero. E infelizmente tão pouco quererei voltar a jantar contigo, o que é pena.

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Fomos jantar a um restaurante chamado Cabana do Sol. É bastante bom, mas acho as porções absurdas. Um terço da carne e mais de metade dos acompanhamentos voltaram para trás. É inaceitável deitar comida fora seja onde for; e muito menos num país onde há tanta miséria.

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Deixo o melhor para o fim: o trabalho no B. começou, finalmente.

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