26.2.15

Diário de Bordos - Amelia Island, Florida, Estados Unidos, 25-02-2015

Um gajo sai de um círculo vicioso que durou dois anos e começa um círculo virtuoso. Tudo se encaixa, tudo flui. Fica espantado, claro. Surpreso. Há tanto tempo que isto não lhe acontecia.

Os telefones dum gajo ou estão sem bateria, ou sem saldo, ou sem rede, ou na água, ou longe de mais, ou  na pata que os pôs. Nunca funcionam, excepto quando não devem.

Ou quando devem, agora que o círculo mudou de sentido.

Sábado estava em St. Barth a bordo de um Lagoon 450 a reparar a bomba de água doce. O telefone não tinha bateria, o saldo era ínfimo, as ferramentas estavam espalhadas por todo o barco, paneiros abertos, um gajo coberto de suor. Às dez horas e doze  inutos conseguiu falar para a base. Avisá-los de que ao contrário do previsto ia com os clientes para St. Martin e chegaria portanto à noite.

Não tive tempo. "Tens de vir já para St. Martin, tens um charter logo à tarde. Apanha o ferry das dez e quarenta e cinco".

Foi assim que começou o charter mais cansativo e mais bem remunerado da minha vida.

Uma família de indianos - onze pessoas, ao todo - que vive espalhada pela Índia, Estados Unidos, Reino Unido e Canadá junta-se para celebrar os sessentas anos do patriarca.

Agradeci mil vezes a Rushdie e a Naipaul: sem eles não teria percebido nada. É uma sensação esquisita, esta de termos as personagens dos livros que lemos à nossa frente durante uma semana.

Cheguei no sábado seguinte a Marigot, exausto. Domingo apanhei um avião para a Florida. Fiquei seis horas retido na Customs and Border Protection, mas acabaram por me deixar entrar.

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Por isso hoje estou numa vivenda enorme num condomínio fechado. É a minha big crew house... À minha frente, do outro lado da porta da varanda, um pequeno lago (o repuxo começa às oito em ponto) e árvores, muitas árvores. Há só árvores neste país, teria Eugénio de Andrade dito se aqui estivesse.

Estou no norte da Flórida, no delta de um rio, pantanoso e verde. Quando vamos para o estaleiro lembro-me da estrada que ia para Shelter Bay. A vegetação é completamente diferente, claro; e o verde não é o mesmo; mas esta sensação de estar no deserto, ligeiramente inquietante é.

Atravessa-se um parque natural e não se vê vivalma. Árvores e estrada, estrada e árvores.

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O A. está em seco. Foi preciso mudar-lhe o motor. Quem o fez (está quase pronto), foi um mecànico local. O resto é uma lista interminável de coisas a ser feitas pela tripulação. Interminável não é um exagero: o barco merecia um refit melhor do que o que teve, coitado. Penso em L., de Galveston: "Os barcos raramente têm os armadores que merecem"..

O primeiro passo está dado: esvaziar o barco todo e limpá-lo. Hoje vamos escolher o que guardar e o que deitar fora. Amanhã chega a metade da malta que falta. Daqui a uma semana largamos.

Espero.

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Há muito demasiado tempo que não ponho as unhas numa máquina de navegar. A. portou-se mqais do que honoravelmente na America's Cup. Das quarenta e nove regatas em que participou ganhou vinte e quatro.

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Num 12m a caminho de Antigua.  Preciso de repetir-me isto todos os dias ao acordar, para ter a ceretza de que não estou a sonhar.

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