23.10.16

Do que um dia é feito

Interessa-me pouco de que os dias são feitos: trabalho, um copo e muita conversa com Ed, skipper do cata que está no fundo do pontão, dor de cotovelo (literal e lancinante, não da metafórica e quiçá ainda mais lancinante), salsichas seis meses fora da data (na estação de serviço - "no outro dia comeste e não te aconteceu nada". "Não, mas não tinham a cor destas") Nico precedida de Marianne Faithfull, Pietra Montecorvino e uma indescritível maravilha chamada Silvia Pérez Cruz (uma rapariga, diz-me a Wikipedia nascida em 1983 e ainda há quem pense que o mundo vai para pior), um copo de vinho solitário, californiano e sofrível mas barato, vento fraco a moderado (diria um meteorologista português) a terrível memória do barco que se incendiou e do qual não resta nada se não a parte do casco que a água protegeu, a minha terceira transacção Bitcoin e a suspeita de que vou aderir àquilo - uma entidade que me guarda dinheiro sem querer saber quem sou, onde vivo e quanto pago de água não pode ser má - a revisão permanente do que vou fazer amanhã porque não o escrevi. De que são feitos os dias? De que se foda, ou fodam, em noventa por cento.

Interessa-me pouco de que são feitos, na verdade. Mais o que deles faço, o que deles fica. Cada dia é um ontem no futuro.

I'll be your mirror
Reflect what you are, in case you don't know
I'll be the wind, the rain and the sunset
The light on your door to show that you're home.


(A luz na minha porta para mostrar que chegaste.)

I find it hard to believe you don't know
The beauty that you are
But if you don't let me be your eyes
A hand in your darkness, so you won't be afraid

When you think the night has seen your mind
That inside you're twisted and unkind
Let me stand to show that you are blind
Please put down your hands
'Cause I see you


(Não vês nada. Vês-te a ti. Ver-te-ias, se eu não fosse cego. Mas sou e não vês. Ver é ser visto, como viver. Morrer é o contrário, já o outro o dizia e ele percebia de ver como ninguém. E de ser. Seres. Se estivesses aqui estarias a ver o mesmo que eu. Não é a ver, estúpido. É a ser. estarias a ser o mesmo que eu).

Enfim, que se lixe o de que os dias são feitos. Fetos. Qualquer coisa assim: amanhã.

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Frank Zappa. Acabamos sempre por acabar onde começámos. Como os dias.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.