4.12.16

Diário de Bordos - Palm Beach Gardens, Flórida, EUA, 04-12-2016

Vim ao mercado (verde, naturalmente) de Palm Beach Gardens. Comprei aipo orgânico, claro, mais especiarias ao marroquino (chama-se Adriss ou lá perto), ovos directos da quinta. Há muita comida à venda e alguma deve ser boa (comi um dos melhores conch fritters de sempre), mas não se pode beber uma cerveja, beber um copo de vinho ou sequer provar um rum chamado Really Bad Rum de um produtor local (ou comerciante, não sei, não fui à página).

Para se habituar a viver aqui um gajo tem de se habituar a ser tratado como uma criança (hoje juro que vi escrito numa garrafa de água com gás num supermercado "product under pressure. Handle with care". Numa garrafa de água com gás das de três quartos de litro. "Handle with care". Não a comprei).

Fui comprar uma cerveja a uma loja perto do mercado e beber um café ao Dunkin´Donuts que lhe fica em frente. É sempre assim: uma coisa aqui, outra ali, uma terceira acolá. No fim tudo funciona: é um puzzle espalhado por quilómetros e quilómetros quadrados (o mercado fica a quase onze quilómetros da marina) e - como me dizia Del hoje de manhã -  pouco espesso, "ao contrário da Europa, onde tudo está muito perto e tem espessura".

O objectivo não é comparar a Europa aos Estados Unidos, obviamente. Seria como comer uma pera e achar que não sabe a ananás. É simplesmente habituar-me a isto, perceber os códigos, saber que o mais provável é ter de passar aqui mais dois ou três meses e mais vale saber ler o sítio onde estou.

Sendo que agora volto para bordo. Chega de leituras, descobertas e compreensões. Vou para terreno familiar. O resto é conversa de encher bexigas de porco.

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Já tinha ouvido falar de vacas e de galinhas felizes (aquelas numa garrafa de leite, estas numa embalagem de ovos). Hoje ouvi pela primeira vez a expressão "flores felizes". Eram girassóis, indubitavelmente bonitos, grandes, resplandecentes. Agora se estavam felizes ali em baldes em vez de na terra não sei, não tenho maneira de ajuizar.

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Alcatrão, cimento, palmeiras, relva, uma casa e um ou dois carros. É desta paisagem que Del e Steve dizem que não tem alma. Estão podres de razão. Nem alma nem corpo nem esqueleto nem ossos ou músculo. Não tem nada. Parece uma miragem, um desenho em três dimensões, um jogo de Lego, cenário para um filme de fantasmas, ilustração de um ensaio de Camus. Desde que não seja o Homem Revoltado, claro.

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