2.1.17

Misérias e boas famílias

Em Lourenço Marques morava nas vivendas da Coop, para quem conhece. Uma longa fileira de casas geminadas, sem espaço nem passagem entre elas. A nossa casa era numa esquina, a primeira de uma dessas filas. O jardim do vizinhos só era acessível ou passando pelo interior da casa deles ou pelo nosso, saltando os muros que nesse tempo eram baixos. A vizinha não podia deixar uma peça de roupa que fosse, uma, a secar à noite lá fora: era certo e sabido que desapareceria.

A nossa roupa ficava a secar no jardim a noite toda. Não faltava uma peça, nunca nos quatro anos que vivemos naquela casa desapareceu fosse o que fosse. Ou seja: quem passava pelo nosso jardim para ir roubar um par de meias na casa ao lado não tocava na roupa de uma família de sete pessoas.

A minha confiança é antiga, vem daí e assim continuará. A pequenez, o roubo mesquinho, a vingança, a chantagem são próprias de gente miserável. Não conseguirão integrar-me nessa tribo.

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"Quem não tem dinheiro não tem palavra", disse já não sei quem vai para cima de muito tempo. Parece que a isso Buñuel chamava a dupla maldição dos pobres: não ter dinheiro e não poder ter palavra, ser obrigado à ignomínia não por questão de carácter mas por falta de massa.

Percebo e aceito melhor um pobre sem palavra do que um "marquês" sem honra. Marquês leva aspas: não quero insultar a classe, que apesar de tudo produziu muito boa gente. Pessoas educadas e de "boas famílias" que se comportam como rufias não merecem outra designação senão: miseráveis.

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