28.12.18

O estranho e encantado mundo de Leopoldo Marron, selenita exilado, operador de montanhas russas e piloto de planadores

O estranho e encantado mundo de Leopoldo Marron, selenita exilado tem a característica de se manter inalterado ao longo dos anos. Leopoldo aprende, claro, como toda a gente; mas o que aprende fica numa esfera incomunicável. É certamente um mundo muito bom para nunca ter mudado, ao fim de tantos anos na Terra, mantendo-se impermeável a tudo o que de novo lhe chega de fora.

Sendo Leopoldo composto por vários Leopoldos (dos quais hoje identificaremos dois), uma das vantagens é que quando alguma coisa corre mal um dos Leopoldos diz ao outro: "Eu bem te tinha dito". E largam-se numa gargalhada sem fim.

Um dos Leopoldos é piloto de planadores e o outro operador de montanhas russas.  Como se conheceram é um mistério, mas a verdade é que se dão bem. Deve ser por isso que o seu estranho e encantado mundo não muda. Aprenderam a viver nele, juntos. Quando estão no topo da montanha apreciam a vista; quando estão em baixo sonham com o céu; quando chegam a um aeroporto lembram-se das precedentes descidas vertiginosas e lentas subidas e assim vão os dois, felizes e estáveis, muito mais estáveis do que quem os acusa de instabilidade.

Partilham um amor, uma miúda cigana que conta histórias, lê as palmas da mão nas feiras e não lhes liga nenhuma; mas tratam-na como tratam o resto: "as coisas são o que são e não o que nós queremos que sejam. Venham mais vinho, ar, alturas e descidas estonteantes. Até os coxos se habituam a ter uma perna mais curta do que outra. Como não habituarmo-nos a um amor não correspondido?" diz o Leopoldo operador de montanhas russas ao Leopoldo aviador.

Entretanto um coelho coze em vinho tinto, temperado com pimentão doce da Conchichina, cominhos de trás do sol posto, cardamoma da Lua, ervas de provença da China e piripiri das ilhas Kerguelen. Coze com cenouras e aipo, échalottes e alho, tomate e batata, não necessarimente por esta ordem.

Leopoldo Marron antevê com prazer o seu almoço, a sesta que se lhe seguirá, o Sonny Rollins que toca nos altifalantes manhosos mas baratos, O vinho chama-se Davida e não tem sulfitos; Leopoldo chama-se Leopoldo e tem tudo o que uma vida precisa de ter, menos o que não tem, coisa que não o aflige por aí além porque no seu estranho e encantado mundo não há subtracções, só há multiplicações e exponenciações.

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