29.1.19

Diário de Bordos - Barcelona, Catalunha, Espanha, 29-01-2018

De novo nesta cidade que já amei, odiei, amei, detestei (e agora amo e detesto simultaneamente), uma cidade onde vivi alguns dos monentos mais estranhos da minha vida (e Deus sabe se ela os tem), mais horríveis, uma cidade que me esmaga com a sua imponência que não consigo deixar de pensar falsa, como se fosse de cartolina e na qual ja fui esmagado pela solidão e pela tristeza, a cidade mais cosmopolita e ao mesmo tempo chauvinista do mundo, aldeia complexada e fechada cheia de estrangeiros, mediterrânica sem nada que a assemelhe por exemplo a Marselha, cidade enganadora - até agora: tinha jurado nunca mais pôr os pés num gastropub, encontro-me no Obama, desde há muitos anos um dos meus locais favoritos e que descubro? - Que se tornou um gastropub, cheio de televisões enormes em tudo quanto é canto; mas continua a ser um sítio lindo "English American Bar", com um painel à porta a anunciar jogos de futebol, como é que um sítio tão bonito pode cair tão baixo? No fundo é um bom resumo de Barcelona: aldeia que se crê cidade, rameira que se imagina senhora,  pub que se anuncia gastropub. Desde quando? Terei eu vindo cá e isto já tinha estas televisões enormes? Penso que não, primeiro; depois fico-me nas tintas. Que importa? É Barcelona e o seu insuportável linguarejar, há restaurantes que já nem o menu têm em espanhol, puta que os pariu mai-lo catalão, parece uma língua falada por aldeões bêbedos de regresso de uma orgia com vacas e ovelhas.

Tive uma reunião de manhã que correu bem, muito bem, trouxe-me à memória aquele guru da gestão que dizia a Portugal "you have a brilliant future on your past", em inglês porque cito (de memória mas cito), pergunto-me quem era o homem, um daqueles consultores a quem demos milhões de euros para dizer baboseiras, evidências ou simples parvoíces. A mim ninguém me deu milhões de euros, claro, antes pelo contrário, só não fiquei de cuecas porque não as tenho, mas fiquei pior ainda. Aqui há uns tempos escrevi "tenho de ir ali pôr ordem no meu passado", ou coisa que o valha e sim, é verdade, é isso mesmo: tenho de pôr ordem no meu passado e esta reunião foi um grande passo nessa direcção.

Bom, mas nisto o melhor é sempre olhar para a frente e cagar no passado, de resto é assim que os respectivos orgãos estão organizados no nosso corpo, os olhos para a frente o cu para trás, alguma razão há-de haver para isso.

De maneira bebo um copo de Sirah e espero o senhor da reunião das seis, está quase a chegar, diz-me pelo whatsapp. Não olho para as televisões - uma está apagada, a outra estraga a decoração de uma parede inteira, isto chama-se Obama provavelmente porque tem uma decoração baseada em fotografias e objectos do período colonial em África. O Obama era preto, portanto compreende-se. A mesa onde estou sentado e as que estão ao lado até dizem The Metropolitan University of Mombasa, Cape Town and Durban, lá está, para fazer a ponte com o patrono do lugar, de quem de resto um gigantesco busto esculpido em madeira pintada de preto (não acredito que seja pau-preto) ornamenta a entrada.

Depois disto volto para o aeroporto. Apesar de tudo está mil Obamas abaixo disto. A menos que tenha tempo para ir a pé até à baixa e apanho lá o Metro, história de me esmagar mais um bocadinho.

Adenda - o busto do homem já lá não está. "Foi de férias", diz-me a empregada, que tem humor para dar e vender. E me explica o porquê das mudanças: o bar tem um novo dono. Não percebo por que raio de carga de água as pessoas compram coisas bonitas para as estragar. Antes comprá-las estragadas para as embelezar. Sim, consegui ir a pé até à Ciutat Vella e comer no La Viena Blanca, vermute soberbo, croquetes e lasanha idem, fica na Pintor Fortuny 10, caso precise de lá voltar. Precisarei de certeza.

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