30.4.19

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 30-04-2019

Há muito tempo que não fazia isto: vir à Babel comprar um livro, sentar-me na esplanada (esta ou a da Antiquari, ao lado), ler e beber um copo de vinho enquanto oiço o músico que por acaso está nas escadas. Hoje é um sax, bastante bom, por sinal. Começou com Take Five. Um dos livros que comprei é uma pequena compilação da Pizarnik, apesar de já ter as obras completas dela. Mas Pizarnik é Pizarnik e viver sem a ter ao lado é como pintar com uma paleta sem metade das cores; ou viver sem passado.

"No me entregues, 
                              tristísima medianoche
Al impuro mediodia blanco"


Tristísima medianoche...
Mediodia blanco...

Onde é que este poema foi escrito? Por quê, por quem? "No me entregues"

Não foi de certeza neste fim de tarde maiorquino, na praça de onde nasceu a minha primeira estadia em Palma. Sem Pizarnik a vida é um quadro pintado por um pintor daltónico.

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Algumas pessoas não gostam do calor. Compreendo-as tão bem como se me dissessem "não gosto de e=mc2". Ou "Não gosto de g=9,8m/s2".

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O grande problema de escrever é que enquanto escrevo não leio. Vinte volumes meus não valem uma vírgula da Alejandra. "Escribo contra el miedo. Contra el viento con garras que se aloja en mi respiración."

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Acabei a jantar com F., o dono do Antiquari e um amigo dele, pintor. Não sei se posso dizer que foi uma seca, porque foi. O homem deve ter sniffado uma linha de coca de Lisboa a Cascais e volta.

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"en esta noche en este mundo
extraordinario silencio el de esta noche
lo que pasa con el alma es que no se ve
lo que pasa con la mente es que no se ve
lo que pasa con el espíritu es que no se ve
¿de onde viene esta conspiración de invisibilidades?

Ninguna palabra es visible
..."

Não sei, Alejandra, não sei de onde vêm estas conspirações todas. Somos invísiveis, tu menos do que eu, felizmente. O mundo ganha com o que tu não vês mas advinhaste com tal clareza que te fez morrer.

A tua paleta só tem cores densas, escuras e foi a claridade que te matou.

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"Había que escribir sin para qué, sin para quién". 

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