13.5.19

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 13-05-2019

Há em mim uma espécie de perversão que consiste em reagir negativamente à pancada. Isto é, reagir ao contrário: em vez de dizer "Que se foda, ganharam" e mandar a toalha para o meio do ring, perguntar-me "Como vou resolver esta merda?" ainda mais teimosamente. É como se a cada murro ficasse mais resoluto, mais determinado. Foi isso que me fez aguentar a catástrofe dos Açores tanto tempo, ir às cordas a cada projecto ou no Burundi ganhar a guerra com a Alfândega (uma vitória de que posteriormente vi a futilidade e o erro e vim a lamentar, mas que não deixa de ser uma das mais bonitas da ninha vida - como de resto muito do que vivi naquele ano).

Há dois filmes de ou com Paul Newman que falam desta - insisto no termo - perversão. Um chama-se Never Give an Inch (aliás Sometimes a Great Notion, diz-me o IMDB). O outro chama-se Cool Hand Luke. Vi-os há muitos anos, quando ainda ia ao cinema. As pessoas dizem que perder é não ir à luta, mas quando isso não me parece uma malvadez - tem alguma nobreza, vá lá - passa a simples burrice. No caso dos filmes é impossível não apreciar as personagens, mas vida é vida, não é cinema.

Hoje tive um dia desses, um dia em que me pergunto por que raio de carga de água "as coisas" insistem em fazer de mim um saco de porrada. E logo a seguir, no mesmo movimento, "como raio hei-de foder estes gajos?" sendo que "foder estes gajos" consiste simplesmente em encontrar alguém de confiança para acabar o interior do P. Não é muito, mas para mim é mais do que imaginar Sísifo feliz e livre: é imaginá-lo a pôr a porra do calhau no cume da montanha, descer de lá satisfeito e - aí sim - livre, a esfregar as mãos de contentamento.

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Um dia de merda mas acabou bem, tão bem quanta a merda foi merda: o DV vai finalmente transformar-se em livro (em livros, espero) e hoje deu-se o primeiro passo da primeira etapa dessa viagem. Digo "finalmente" porque o processo foi longo, difícil e tortuoso, uma espécie de tango mal dançado, resolvido no fim graças à determinação e insistência de J.M.V. e ao pior transporte da minha vida - Deus sabe se os tenho tido maus -. É como um parto por aquelas mães que recusam a gravidez, fazem o que podem para abortar sem abortar directamente e o filho nasce-lhes apesar de tudo. Neste caso não só nasceu como me deixou feliz. Que vivam, a vida e a liberdade e tudo o que elas nos trazem.

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Este refit é de longe o maior projecto deste tipo no qual estive envolvido como responsável. Parece-me um rio alimentado por centenas, milhares de afluentes: tudo o que fiz até hoje vem desaguar aqui. Sinto-me como uma criança com poderes mágicos ou um super-homem sem eles: em qualquer dos casos estou desarmado e tenho armas, nu e tenho roupa num armário qualquer. Basta-me procurar: já passei por eles todos, só que isoladamente. Agora todos os rios, riachos, ribeiros da minha vida, todos sem excepção convergem para aqui, para este dia, este ano, este barco.

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É assim: estar no pico e na cava da vaga ao mesmo tempo, como o gato do outro; amassado e lutador como o Newman nos filmes; ou simplesmente teimoso, como sempre fui.

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