1.10.19

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 01-10-2019

- Se fosses mais novo mordia-te - disse-me a U. hoje. Enfim, não utilizou o verbo morder. Não utilizou verbo nenhum, mas reconheceu finalmente os meus esforços.
- Se fosses mais velha não me escapavas -. Idem: não houve verbos, só reticências, olhares e mímica mal esboçada.

O pretexto da conversa foi o meu aniversário - ontem - e o dela - daqui a duas semanas. Perguntei-lhe quantos anos vai fazer (não respeitar as regras é aceitável desde que se saiba que não as estamos a respeitar). Dezasseis anos de diferença.

- Lamento. O meu limite está em quinze.
- Um ano nos separa -. U. tem o sentido de humor mais mordaz que vi desde a S. (as S., Su. e Sa.) Há poucas coisas de que goste mais numa mulher do que o sarcasmo, aquele sarcasmo que está na fronteira da maldade, do lado de dentro. Ainda não lhe disse que tenho uma namorada; ou pelo menos uma possibilidade de namorada. Fez-me esperar um ano, pode esperar uns dias.

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Dias absolutamente caóticos, cinco bolas no ar, duas mãos e meia cabeça (na mais generosa das hipóteses) para as acolher e gerir. Ainda por cima todas diferentes. Os verdadeiros malabaristas utilizam bolas iguais; os malabaristas metafóricos não: misturam a vida com as curiosidades, as paixões com uma simples atracção momentânea.

Hoje desfiava o meu calendário à D. e perguntava-lhe:
- Pode a felicidade esconder-se numa fiada de datas? - Respondi logo a seguir:
- Não, claro. Esconde-se no que essas datas escondem.

(Enfim, isto está um bocadinho burilado, mas o sentido foi este). É o que penso: não gosto de felicidades expostas, como as putas que abrem as pernas mal um gajo lhes põe o dinheiro na mão. Gosto de felicidades púdicas, escondidas, buriladas (se me permitem uma repetição).

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Hoje percebi de onde vem esta aparentemente estúpida compulsão de comprar livros: vou precisar de outra vida para os ler.

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Não devia ter um Facebook para tudo, dizem-me frequentemente. Um para o trabalho, outro para a política. É impossível, infelizmente: sou inteiro.

Já alguém viu um troglodita com problemas de personalidade?

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Em Portugal instalou-se a ideia de que uma não-resposta é equivalente a uma resposta "não".

Ideia errada: estão nos antípodas. Responder "não" é de gente; não-responder é de merdoso.

(Excepto se se for uma personagem de Baricco, claro. Mas isso é outro campeonato.)

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