15.11.19

Mistérios, desertos e um traço-de-união

Mistérios: meandros desérticos, curvas assimptóticas, o sintomático medo do vazio. Não me toques, perde-te, enche-te, olha-me, encontra-me. Toca-me. Enche-me. Receia-te, me, nos. Algures no escuro abissal uma bolha luminosa e fria, pura, intocável. Afasta-me. Ama-te, me, nos. Pele, peles, pela-me, relâmpagos lentos, imóveis no ar desértico, azul de noite, azul escuro, olhos fechados, toca-me, foge-me. Entra-me por ti dentro, centro de nós. Universos simples e infinitos: tu, eu, o tempo que se recentra numa linha recta rodeada de curvas. Tendemos para o ínfimo arco de um rosto que conhecemos de cor, que reconhecemos ao toque: um ponto, um só e és toda tu que se forma, me forma, me faz.

Uma linha recta, serena atravessa o caos, fractal a fractal. Começou ontem, há mais de quarenta anos. Acaba quando acabarmos: amanhã, depois, nunca.

Pensa no solo húmido de uma cave, nos eléctricos que nos atravessam as palavras, a desfazerem-se felizes. Pensa no fremir de um dedo nos teus lábios. Esse dedo sou eu. Pensa num ventre acolhedor, em dois olhos gratos, no suspiro saciado de um momento ao longe. Pensa: esse momento somos nós e está quase a chegar. Uma ogiva perfeita, ocre: já não estamos no deserto, já não somos a luz que buscava um instante nas frechas obscuras e perdidas do tempo.

Tu és o sorriso ágil e leve do tempo e eu encontrei-te numa curva desse tempo, flutuante, límpida, clara, despida. És um traço-de-união plantado na areia.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.