31.12.19

Diário de Bordos - Neuaubing, Bavária, Alemanha, 31-12-2019

Neuaubing (ou Aubing, aparentemente. Neuaubing é a estação, não sei se designa também o sítio) é um subúrbio de Munique. Não o conheço suficientemente para o descrever: nos cinco minutos que dura o trajecto entre o comboio e o hotel vejo um supermercado, vários stands de automóveis e garagens, dois ou três bares, cafés e um spielcenter (não sei o que é. Visto de fora não dá vontade  de entrar). Em si, o lugar não é nada apelativo. É feio, desagradável apesar da limpeza e do aspecto bem-tratado das ruas, passeios, edifícios e de tudo o que se vê. A fealdade não lhe vem da falta de cuidado.

Vim aqui parar porque foi o hotel mais barato que encontrei no booking. O hotel - que se auto-designa hotel, motel e pensão nos diferentes suportes que vi - fica nas traseiras de um edifício que alberga o tal spielcenter,  duas garagens (uma das quais, provavelmente, especializada em VW carochas antigos: o pátio está cheio deles). O quarto é à imagem de tudo o resto: funcional, limpo, confortável. Não tem casa-de-banho mas tem um duche... Enfim, um micro-duche. Pergunto-me quem raio teve a ideia de pôr aquilo ali, tanto mais que a cama é para uma pessoa só. Fosse para duas... - não haveria espaço, mas pelo menos compreender-se-ia a função do duche. Deve haver dedo da regulamentação, por aqui.

Comprei uma garrafa de Chianti, um camembert, um pouco de carne seca - uma espécie de presunto da Floresta Negra -, pão e um tubo de mostarda e preparo-me para me despedir de 2019 sem grandes comoções, emoções, sentimentos ou outros. O ano foi bom e mau, como todos: teve períodos extremamente duros e outros extremamente bons, teve uma pequena e breve história de amor que começou e acabou mas podia não ter começado e não ter acabado (em cujo caso terminaria o ano cheio de dúvidas, quase de certeza). Estou de novo numa fase de impasse mas sei que este será mais curto do que o anterior e até agora tem sido mais leve. É uma comichão, não o golpe profundo que foram os meses todos que passei em Palma a desesperar.

Teve, sobretudo, a publicação do livro. Como todas as coisas que inicialmente não se querem, agora deixa-me feliz, apesar dos problemas de edição. Tenho, um livro, vai haver mais e melhores.

O Chianti não é mau, o «presunto» é francamente bom, o queijo uma merda indescritível. Vá lá que é «Bio»... Não. Vá lá que era o mais barato dos camemberts à venda. Uma vez trabalhei numa quinta, na Suíça, nas montanhas do Jura - que prefiro aos Alpes por serem mais redondas e mais macias. Os agricultores suíços vivem apertados, muito apertados, apesar das subvenções que recebem. A dona de casa - uma balzaquiana esplêndida, escultural, que trabalhava tanto como o marido, ou seja: muito - só comprava as coisas que estavam em promoção na Migros (é uma das cadeias de supermercados da Suíça, para quem não sabe). Um dia disse-lhe que no fundo quem escolhia o que se comia lá em casa não era ela, era a Migros. Não me lembro da resposta da senhora, mas gosto de pensar que me calou com um «digamos que somos os dois, a Migros e eu». Ñão tenho uma entidade a quem possa apontar as minhas escolhas, mas deve haver na minha vida uma Migros qualquer omnipresente, englobante, que por vezes sai do buraco onde se anicha. Um ersatz de Migros... Não ganha sempre, longe disso: Recuso-me. Compro coisas baratas nos dias de seca e desforro-me nos de chuva. Hoje não foi um desses, mas qualquer dia virá uma chuvada das fortes e ficará tudo inundado. Inch'Allah.

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Fui passear a Munique. As ruas estavam sufocantes de gente, a maioria tendo o démarche vaga e o olhar disperso dos turistas.  Os locais distinguem-se imediatamente, pelo andar enérgico e os olhos postos no destino. Comi num desses restaurantes tradicionais que o Tripadvisor me garantiu - com razão - ser bom (e barato, mas estou farto deste termo e vou arrumá-lo numa gaveta). A cidade é bonita, mas a verdade é que sou um péssimo turista: gosto de descobrir uma cidade, não de a visitar.  Por muito que goste de turismo e de turistas - e aprecio-os muito - nunca os compreenderei. (Não estou a ironizar. Ao contrário do que muita gente pensa, a Suíça não é rica por causa dos bancos. O que tirou aquele país da miséria foi o turismo, muito concretamente o senhor Thomas Cook, cuja empresa acaba recentemente de ir à falência. A Suíça tem bancos por ser rica, não o contrário. E antes do turismo era um país miserável. Portugal não vai aproveitar esta vaga de turismo, claro: gostamos demasiado de ser pobres. Comprazemo-nos na pobreza como os porcos chafurdam na lama).

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[Adenda: o projecto de me despedir de 2019 sem grandes emoções falhou. Paciência.]

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.