4.12.19

Rita

É uma questão de alfinetes que me correm pelas veias e se espetam a cada curva. São muitas as curvas e muitos os alfinetes. As picadas doem e além disso deixam escapar sangue. Os lençóis da cama onde tento penosamente dormir estão empapados. O sangue está quente e peganhento nas depressa seca e arrefece. Formam-se pequenos canais que encarreiram o que me sai do corpo para o chão. Li uma vez que um homem tem quatro ou cinco litros de sangue no corpo mas duvido. Só isso tenho entre lençóis e soalho.

O corpo humano é um poço infinito de recursos, incluindo  os sanguíneos. Há quem prefira sonhos, quem olhe para o passado com saudade, quem se contente com leituras esotéricas num parque ao Sol, raios de luz filtrados pelo verde das folhas e reflectidos pelo da relva. Eu não: prefiro o sangue quente e espesso que os alfinetes nas veias deixam escapar. Devo atrbuir um valor a cada um desses alfinetes: um dia, uma intenção, uma relação amorosa que falhou, as que foram bem sucedidas, os olhares que todos os dias trocava com a senhora da bilheteira da estação de comboios.

Vendia-me o bilhete languidamente, fazia tudo o que podia para me tocar a mão por baixo da divisória de vidro que nos separava. Um dia, com o troco vinha um pequeno bilhete: "Rita, 912 423 ... Acabo o trabalho às 19h. Espero por si no British Bar".

Rita. Alfinetes nas veias, pelo lado de dentro; percorrem-me o corpo  e espetam-se constantemente. Algo ou alguém os tira e os repõe em circulação. Rita.

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Apaga as velas que tem espalhadas pelo quarto, cerca de trinta. Está nua, despiu-se mal entrámos em casa. Deita-se.
- Viola-me, por favor. Não me beijes, não me faças festas. Entra por mim como estou agora, seca. Quero que me doa,  que me magoes, que me possuas a seco como se fosses um alfinete em mim.

(Cont.)

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