13.2.21

Diário de Bordos - Porto, 13-02-2021

«O serviço de esplanada será pago na entrega do mesmo», diz uma folha de papel (impressa, vá lá) na montra de um café (fechado, claro). O uso de «mesmo» impõe-se, porque a entrega podia referir-se á empregada que trouxesse o serviço para a mesa (ou empregado, há gostos para tudo. Nb: falo por mim, da minha perspectiva, na minha óptica, do meu ponto de vista. obrigado.). Aqui há uns tempos vi melhor ainda: «Por favor não deixe a porta aberta. Por favor feche a mesma.» Não é verbatim, mas anda lá perto. Mais uma vez, a pessoa que escreveu aquilo pensou que se escrevesse «por favor feche-a» quem o lesse pensaria que o estava a mandar calar. O uso de «mesmo» alastrou no português actual como uma praga de gafanhotos na pradaria, como «colocar» por «pôr», como «máscara obrigatória» por «bom senso obrigatório» ou «use a liberdade, não use máscara» ou coisa que o valha. 
Noventa e nove por cento das pessoas que cruzo na rua usa máscara, por vazia que esteja a rua, por espaço que tenham à sua volta. Até casais, de mão dada e olhar enlevado (suponho). Nesse aspecto, o Porto desiludiu-me. Pensava que os portuenses eram mais rebeldes, prezavam mais a liberdade. Afinal, em Lisboa somos mais numerosos. 

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O tempo continua frio e cinzento e a cidade também. Estou numa parte dela que não conhecia de todo, moderna, cheia de restaurantes  chiques, companhias de seguros e clínicas médicas com nomes ingleses. Compreendo. Um povo que não sabe escrever a sua própria língua é mais sensível à dos outros. «Please don't leave the door open. Close the same» ou «The service of the esplanade will be paid when the same is acted» sempre é mais apelativo, por assim dizer. Já aqui na minha rua está um grafito em português correcto: «Vamos todos ficar s€m». Esse sim, devia estar em todo o lado. Vamos todos ficar s€m, Excepto, naturalmente os que já estão s€m o m€smo. 

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Parece que vou poder adiantar a segunda operação. A estadia no Porto fica reduzida de sete ou dez dias, mas a perspectiva de poder ver correctamente dos dois olhos compensa isso largamente. Os meus frágeis ombros não suportam tanta carga. Ou melhor: suportar, suportam. Não deviam, o que é outra história. A fragilidade é uma tentação.

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Há ganâncias elegantes, bem-educadas e há-as deselegantes e grosseiras. Vamos ver em qual delas cai este apartamento. Estou pessimista, o que não é muito frequente em mim. Conflito entre a intuição e o optimismo...

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.