17.2.21

Diário de Bordos - Porto, 17-02-2021

Levantei-me a pensar nos livros que hoje comprei: dois de Rosa Oliveira e um de William Gaddis, autores que não conhecia. Rosa Oliveira fez-me pensar em Lucia Berlin e no caminho da cozinha ponho-me a imaginar como seria uma prosa escrita pela senhora, o que teria de diferente da da americana genial e martirizada. Volto para a cama, abro um dos livros ao acaso, e leio "um romance é que era!... / dizem-me olhando de lado / os poemas ...". Há coincidências diabólicas, penso. 

Andava a precisar de ler livros como de respirar ou ver correctamente e é isso que vou fazer. 

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Se estivesse numa viagem, diria que a partir de agora estou a recolher o cabo. Velha história de marinheiro: até metade da viagem larga-se cabo, depois começa-se a recolhê-lo. As etapas estão claramente marcadas: amanhã o penso, depois os pontos do olho esquerdo, os do direito, daqui a dois meses avaliar a visão ao perto e pronto, terminado. Esta parte da viagem vai ser mais agradável. Ver claramente é como chegar ao campo vindo de uma cidade poluída: embriagante.

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O Porto assim é uma seca. Quem teve a ideia dos confinamentos devia ser coberto de alcatrão e penas, escalpelizado, pendurado pelos pés e obrigado a ficar em casa até ao resto dos seus dias. 

A histeria colectiva exponencia-se, mas não se penitencia. Os histéricos pela mentira continuam a dizer que têm razão e que sem estas medidas teria sido uma catástrofe. Espantoso é não verem o desastre que têm à frente do nariz.

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Já estive algumas vezes em situações críticas: no mar do Japão, no Atlântico a caminho da Martinica, no Brasil, em Aveiro, no Burundi,  no Zaire. Nunca paniquei e nunca me passou pela cabeça que essa era a atitude correcta. Era a única. Manter a calma, pensar, agir sem precipitação (mas depressa, se fosse necessário). Bolas, não sou um super-homem, muito antes pelo contrário. Se até um burro como eu consegue manter a calma, as inteligências que nos governam não conseguem? Não acredito que sejam idiotas chapados - isso sou eu - ou que queiram o mal do país, instaurar uma nova desordem mundial, ou reduzir a população a metade. Há-de haver aqui outra razão qualquer, mas não é fácil chegar-lhe.

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Ironia. Não li Rosa Oliveira o suficiente, mas a priori o que me vem ao espírito é a ironia com que se vê e nos descreve o que vê. A ironia é uma dádiva, uma bênção. Tive sorte. Tenho andado renitente ao que me chega às mãos vindo de autores portugueses. Ouvem-se muito a si próprios, o que se por um lado é bom para eles (não é ironia), por outro tem o defeito de tornar a leitura mais pesada para quem está fora do círculo. 

Ainda não comecei o Gaddis.

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Nota bene: é inútil fugir à tentação autobiográfica.

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