12.5.21

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 12-05-2021

"Jantar" no Makaria. A empregada-bomba já cá não está. À minha frente, três eslavas daquelas de se emigrar logo a seguir ao café. As mulheres bonitas deviam ser obrigadas a vir a Palma, por uma lei de protecção dos marinheiros idosos e semi-bêbedos. A qual lei o ministro Cabrita ou a ministra do Mar ou a ministra da condição masculina ou o ministro do vinho tinto aprovarão em breve.

Gosto muito de injustiças e por uma dessas a senhora que está de perfil para mim é a mais bonita, a que tem mais futuro pela proa, a que mandaria Jessica Rabbit dar uma volta ao bilhar grande, a que me faz louvar os inventores das tintas para cabelos (isto é outra injustiça. A senhora é tão ruiva quanto jovem; isto é, muito). Tem uma posição... bom, a torre Eiffel não é para aqui chamada. Raio da mulher devia receber um prémio todos os dias que Deus fez - o que só  confirmaria a ideia de que se Deus existisse seria homem, de resto. São três torres: as duas pernas e o torso.

Bom. Pena não haver mais nada de que falar, não é?

PS - pôs a máscara para ir à casa-de-banho. Desqualificada. Hors-jeu de position

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O músico de rua é feio, veste-se mal, toca horrivelmente músicas péssimas. Mesmo assim leva uma gorja. Estar ali merece uma recompensa (isto passou-se ontem no Gibson).

Oiço o de hoje na praça e pergunto-me se é mau, bom ou assim-assim. Ou seja: é assim-assim, mas as músicas são melhores e - vejo quando vem passar o chapéu - coxeia e anda de muleta. Também levou gorja, claro. 

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A rapariga ruiva interagiu comigo: avisou-me de que uma das canetas caiu. Nunca fui um engatatão de bares e sei perfeitamente que se tivesse menos trinta anos - ou ela mais trinta - não passaríamos disto: «A caneta caiu», dito (ou melhor: apontado) com o dedo porque não fala espanhol e não sabe que língua deve falar comigo. Mas é tão bonita, não é? (Refiro-me à rapariga. A caneta não. Parece uma coisa de guerra e adoro-a.)

É lindo ver os extremos a que chega a evolução. Como será uma orangotanga bonita para um macho orangotango, como esta mulher é bonita para um marinheiro velho, gordo e esteta? É-me fácil imaginar um macaco saído do 2001 (Odisseia no Espaço, não a discoteca de Cascais) louvar «esta» macaca (aspas porque me refiro aos equivalentes, claro). Haverá macacas ruivas e direitas como a torre Eiffel? Não sei. O que aquele monte de aço foi para a engenharia do seu tempo tem equivalente na evolução do nosso? Não sei. Só dou graças a Deus por as minhas hormonas não terem envelhecido comigo. É uma bênção. Se eu fosse dono do restaurante pagar-lhe-ia todos os jantares até ela se ir embora da ilha e me deixar em paz. 

(Tem colares nos tornozelos e anéis nos dedos dos pés. Ainda há quem lamente a existência de línguas e a desaparição da torre de Babel. - São as sandálias, estúpido.)

Devo ser o único gajo nesta cidade que se desengrossa à medida que vai comendo e bebendo. Estou menos grosso agora do que estava quando cheguei (admitidamente, não era muito). Deve ser da ruiva. 

Tudo isto graças à mistura de café, gelado de baunilha e Amaretto que dá pelo nome de affogato. (É sempre bom transferir para outrém as características que nos caracterizam. O único affogato aqui sou eu.) E graças à beleza desta mulher, à calma desta noite, à calidez deste fim de dia, à hospitalidade deste futuro que me espera porque o fui construindo. Sem saber? Não sei. Se soubesse, reconstruiria o meu passado também, com esta ruiva. Ou pelo menos uma semana do meu passado. Ou um mês, vá. Se soubesse, seria rico, magro e loiro, inteligente e engatatão de bares. Se soubesse, não seria eu, seria um avatar, uma imagem holográfica, uma radiografia. Se soubesse, a ruiva levantar-se-ia da mesa, deixaria as amigas, viria ter comigo e dir-me-ia: «tu és o homem com quem quero passar os vinte anos que te restam de vida e de quem quero lembrar-me os cinquenta que tenho pela frente.»

Mas não sei, está visto.

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Uma pergunta: tanta beleza não será considerada assédio? Não haverá um movimento de defesa dos homens oprimidos pelas figuras da beleza? Uma espécie de «I know them, I'm one of them» mas adaptado a terráqueos e não aos marinheiros que aportam a Bequia?

Aos homens cercados por mulheres bonitas, com uma que sobressai como a raínha no jogo de xadrez?

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Vou trocar a minha Peugeot pela velha Órbita (se o I. aceitar a troca, mas penso que sim). A Peugeot é demasiado adolescente para mim. Quero uma matrona.

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Esta ruiva excita-me os sentidos mas não me desperta a razão. Problemas da idade: sabemos o que nos espera amanhã de manhã. E à tarde.

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Às três torres (duas pernas e um torso, recordo) junta-se uma quarta: o antebraço que segura o queixo. Eiffel e Darwin devem ter conversado milhares de horas.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.