6.5.21

Subtracções adictivas

Os meus dias desenrolam-se em quatro línguas: espanhol e inglês para o trabalho, francês para a família, português para o resto. Não há paredes estanques entre as diversas utilizações: tenho pelo menos um fornecedor francês, falo de trabalho com a armadora, que é portuguesa, tenho amigos com quem falo espanhol e co-inquilinos inglês. Contudo, apesar da permeabilidade das fronteiras, posso dizer que cada um dos idiomas que uso tem a sua finalidade. 

Ou seja: tenho uma visão pragmática das línguas. Penso que o francês é das quatro a mais bonita - ou elegante, se preferirmos -, o inglês a mais poderosa (porque é feita de verbos), o espanhol a mais prática e o português a mais minha. A única minha. Durante muito tempo misturei-as sem grandes hesitações. Ia a uma buscar uma palavra, a outra outra, consoante me ocorriam ou as achava mais adequadas. Porém, com o tempo fui tentando misturá-las cada vez menos. A mescla, que inicialmente via como uma questão identitária - eu sou essas línguas todas - começou a saber-me a corruptela, a facilitismo, a preguiça ou, pior, a ignorância. Agora, ao editar o DV dos inícios, vejo quanto abusava de estrangeirismos. 

Concomitantemente, apareceu-me um desgosto pelo uso de termos ingleses nas outras - o francês e o português sendo as piores, as que mais se rendem ao espavento. Os espanhóis ou traduzem ou hispanificam. Portugueses e franceses não: rendem-se alegre e orgulhosamente aos anglicismos inúteis. Custa-me habituar-me, apesar de saber que é luta perdida. Não sei se por perfectionismo se por esteticismo, puritanismo linguístico ou simples e lhana estupidez (minha, claro), mas há termos que não «passam»; outros que já passaram e tento expulsar e alguns com os quais convivo por manifesta impossibilidade de os trocar: só um doente obsessivo-compulsivo trocaria charter por «actividades marítimo-turísticas», por exemplo. Ou désarroi por confusão (talvez «desamparo»? Não é tão bonito, mas anda lá perto).

Tudo isto por causa de uma troca esta manhã sobre «adicção», uma das que não passam  a rampa. Excepto, claro, se puder ser usada no sentido de «sem fala».

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