18.7.21

Diário de Bordos - Barcelona, Catalunha, Espanha, 18-07-2021

Fiquei hoje a saber que integro o clube restrito dos que têm um familiar próximo doente com Covid. Insisto no doente, apesar de ter duas versões diferentes: a do jovem enfermo e a da sua mãe. Divergem nos pormenores, claro: na intensidade, nas expectativas. Estou aborrecido mas não preocupado. Não gosto de ver ninguém sofrer e menos ainda se esse alguém for o meu filho. Não estou, contudo, preocupado: o rapaz é forte, sensato, não se deixa arrastar por alarmices. Vai sofrer, como eu sofri em Fevereiro do ano passado e como milhões de pessoas por esse mundo fora sofreram. Umas mais, outras menos. Espero que ele faça parte deste segundo grupo e aqui declaro, já e sem qualquer espécie de contenção, o meu amor por ele.

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Pouco a pouco, o M. toma forma de barco. Se não é a primeira é uma das primeiras vezes que trabalho num barco novo. Estou encantado com o armador (e proprietário). Pode ser que esteja enganado, mas parece-me que vou passar um Verão magnífico. Obrigado ao J. V., que me passou o contacto.

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Estou em Barcelona e desta vez sim, estou de passagem. Apercebo-me de que a diferença é que desta vez estou embarcado e com muito trabalho a bordo: saio para comer e para fazer compras para o bote. O barco é novo e o armador tem confiança em mim: vou imprimir-lhe a minha marca. Há qualquer coisa de biológico nisto, não há? Há, mas provavelmente seria mais correcto dizer «qualquer coisa de animal.»

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Para quem vem de Palma, os catalães parecem adoráveis. Há muito que tinha perdido o hábito de ser recebido com verdadeira simpatia em todo o lado, apesar da resistência à máscara. Só muito raramente me chamam a atenção, à qual chamada respondo cortesmente e na maioria dos casos continuando de cara descoberta, para que todos vejam a maravilha do meu sorriso. Além disso, temos comido optimamente nesta Barceloneta da qual praticamente não saio e que tão mal conhecia.

Devia fazer uma lista de restaurantes, mas de momento os únicos que tenho em mente são o El Xiringo e a Bodega de San Fermin. Há mais: duas refeições por dia sem repetir - no caso do El Xiringo, involuntariamente: é preciso reservar - facilitam a descoberta de waterholes

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Nós cépticos temos um enorme esforço de comunicação pela proa: explicar às pessoas que esta desgraça não é consequência do vírus mas sim da resposta ao vírus.

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O armador é uma simpatia, mas a distância entre mim e os não-marinheiros que andam de barco aumenta em vez de diminuir. Hoje pensei - para atenuar a coisa - que no fundo eles estão no mar como eu em Barcelona: de passagem. A questão é saber se devo dizer «Barcelona» ou «terra». Penso que é «Barcelona», se bem seja impossível distinguir entre «penso» e «espero». É sempre, por mais que se diga.

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É preciso partilhar o saber. Que ninguém é uma ilha todos sabemos; que essa ausência de insularidade se estende ao saber é menos assumido. 

(Este deve ser o único post em que alguém me vê defender especialistas. Refiro-me aos especialistas que sabem e não aos que vendem. E refiro-me ao saber útil, não ao que só causa desgraça e miséria.

Eu explico: um monte de sistemas a bordo não funciona. E., o arrais e por vezes G., o proprietário, agitam-se como espermatozóides na Claudia Schiffer para pôr aquilo tudo a funcionar. Explico-lhes que amanhã teremos o técnico a bordo e que a agitação deles é tão inútil como a do dito coiso: a Claudia de certeza tomou a pílula. Lembro constantemente a E. a história do «chinês» (entre aspas porque o homem é tudo menos chinês): E. comprou uma carta SIM para o telefone e tentou pô-la no aparelho. Perdeu meia hora a tentar e não conseguiu. Tentei cinco minutos e falhei. Levámos aquilo ao «chinês»: levou cerca de trinta segundos.)

É preciso partilhar o saber: deve ser daí que vem a minha irreprimível propensão pedagógica.

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A moda feminina - pelo menos nas camadas mais jovens da população - encoraja as jovens a andar vestidas na cidade como se estivessem na praia. Oponho-me frontalmente a tal prática (embora não tão frontalmente quanto desejaria): a cidade é cidade e a praia praia, por muito perto que estejam uma da outra.

Bem sei que ando a reclamar contra as modas há cerca de quarenta anos, mas isso não invalida nada. Talvez mesmo antes pelo contrário: como diz o C., tudo vai de mal a pior e nada confirma tanto essa opinião como a moda. (Verdade seja dita: nem eu ligo às minhas reclamações).

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Na Flórida percebi pela primeira vez (e última: ficou marcado) que o meu país é o Mediterrâneo; agora em Barcelona confirmo que o Mediterrâneo dos EUA é San Francisco, como me ocorreu logo da primeira vez que lá fui. Não é a Flórida. E se alguém me perguntar onde eu vejo verdadeiramente fusão entre o sul e o norte da América: em Porto Rico, onde agora gostaria de beber uma piña colada no bar Barranchino. Tão pouco me importaria de estar no Soggy Dollar Bar, em Jost van Dyke, a beber painkillers. Ou no bar em St. Johns onde conheci o dark and stormy, o nome escapa-me mas não o sítio. Escrever dá sede, não dá? Sede planetária, quero dizer. Sede global. Amo-te, mundo.

(Ou será antes: bebo-te, mundo? Vivo-te, mundo. Como-te e bebo-te e vivo-te até ao fundo, mundo?)

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