27.3.22

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 27-03-2022

Tradicional passeio dominical pelo campo. A luz esbranquiçada faz-me pensar em leite diluído, metade leite metade água. Neste país, o silêncio campestre é substituído pela ordem. Tudo é ordenado, mesmo o campo. 

É agradável no início. Depois cansa, torna-se rebarbativo. "É bom chegar a Genebra, mas ao fim de três semanas..." Passe a auto-citação: desta vez não fico cá três semanas e o único peso que levo é o da ausência dos que me são queridos, agora acrescido de um neto.

Entro hesitante nesta nova idade. Ser avô é como entrar numa nova idade adulta, não é? M. R. dizia que é como ser pai sem as responsabilidades de o ser. Mas ele sempre esteve perto dos netos. Eu não. A nossa comunicação vai ser assimétrica: posso ver-lhe as fotografias, mas ele não pode ver as minhas. E se pudesse nada lhe diriam, claro.

Outro clássico: a fondue de queijo, à qual só veio o T. Não estava grande coisa - o queijo e o pão vinham da Migros - mas tanto ele como a S. gostaram ou disseram que gostaram. Eu gosto sempre: estas tradições são como os ferros de um navio que o mantêm fundeado numa tempestade (para além da beleza do sítio onde hoje fomos passear, a S., eu e a cadela, que agora corre menos mas continua a apreciar os passeios).

Hoje percebi que a minha vida nunca será o grande rio tranquilo com o qual sonho há décadas. Quando muito, será as suas duas margens, divididas - ou unidas? - por um traço de união. Múltiplos traços de união. Múltiplos rios, uns mais tranquilos que os outros. Vogo no meio desses rios, por vezes tocando uma ou outra margem, só a maior parte do tempo. O tronco no qual me penduro vai-se degradando, pouco a pouco mas inexoravelmente. Cada vez depende mais de remédios, pílulas, injecções, operações. 

Tudo bem, enquanto o puder pilotar. Quando for ele a tomar o leme, a viagem acaba. Estes rios têm essa magnífica vantagem: a foz é móvel. É o rio que define onde acaba. Desaguam onde e quando querem desaguar. Só quero é ser pai irresponsável mais um bocadinho. E partilhar meia dúzia de fondues de queijo.

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E entrar em supermercados sem máscara, claro. (Em Genebra, as máscaras só são obrigatórias nos transportes públicos e nos estabelecimentos ligados à saúde. A irracionalidade é geral. Em Portugal limitamo-nos a prolongá-la no tempo e na abrangência.)

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.