8.12.22

Diário de Bordos - Lisboa, 08-12-2022 - II

Apanhei duas vezes o eléctrico. Por acaso (no sentido em que nem olhei para o número dos ditos) era o 28, que in illo tempore eu aconselhava aos meus amigos como tendo o trajecto mais bonito de Lisboa. Hoje não me preocupo muito com o percurso: basta-me ir para onde não estou, mais depressa do que indo a pé. Como os sítios onde não estou são muitos mais do que aquele onde estou, que é só um, um eléctrico que pára numa paragem ao meu lado parece-me uma boa opção.  Uma opção inevitável, por assim dizer. De maneira lá vou eu para Campo de Ourique, levado por esse grande rio chamado Lisboa, parte sólida dessoutro chamado Tejo.

Antigamente conhecia os condutores dos eléctricos por wattmen. Parece que a designação correcta é guarda-freios. Gosto mais da designação inglesa: o homem dos watts, da potência. O guarda-freios controla os travões. Preciosistas: sei muito bem que controlar travões é a mesma coisa do que controlar os watts. Em termos práticos. Simbolicamente é o oposto e continuarei a preferir a designação da minha por assim dizer urgência. 

Inevitavelmente penso nas vírgulas: os portugueses gostam delas e de freios. Eu não gosto. Prefiro watts e potência ininterrupta, seja por virgulas seja por passageiros curiosos que se mantêm mesmo atrás do  wattman a ver como se conduz aquilo. (Já sei onde é o apito. É no botão encarnado à direita do tablier.) E frases corridas, escorreitas, em forma como um atleta para os cem metros barreiras. Um dia conseguirei, tal como hoje me mantive atrás do homem, separado de mim por uma folha de plástico devida sem dúvida às alterações climáticas. 

Desço na primeira paragem de Campo de Ourique. O vinho é muito melhor. As cidades são a forma que Deus encontrou de replicar o paraíso na Terra.

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