1.7.23

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 01-07-2023

Talvez se pudesse considerar isto um dia de excessos, se beber muito fosse excessivo. Não é, claramente. Beber muito é uma questão de bom senso, quando esse bom senso parece desvanecer-se em torno de nós. Desaparecer. Inexistir. Não sequer se manifestar. De maneira a noite - ou o dia? - acabou no 7 Machos com a L. a pôr-nos a garrafa de mezcal à frente e a dizer-nos: "Bebam. Estão em minha casa".

Bebemos. Somos rapazinhos obedientes e bem educados, o V. e eu.

Penso muitas vezes nisto: seria capaz de reproduzir este eco-sistema em Portugal? Nada é mais incerto. Intuitiva e repentinamente diria "Não!"

Que faltaria? Ser estrangeiro. A maneira como sou recebido aqui deve-se ao facto de não ser de cá. 

Talvez. Esta hipótese precisa de ser estudada.

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V. arranjou um embarque desses de última hora e fui levá-lo a Cala d'Or. No regresso tive vontade de um cocktail, um verdadeiro e bem feito cocktail. A vontade foi crescendo até se transformar na quase necessidade imperiosa de uma piña colada no café Lisboa, aonde a tinha prometida. O homem (chama-se Adriano e é mais italiano do que Roma, Milão e Nápoles juntas) diz-me "a melhor piña colada de Mallorca". "Não sei", respondo. "Mas que uma das melhores que tenho bebido é". Exagero bastante mas ele não sabe e regozija-se com a resposta.

A música no café Lisboa é insuportável, o ambiente simpático  - está praticamente vazio, ainda é cedo - a piña colada bastante aceitável e amanhã vou à Tramuntana. Isto é como nas autoestradas: é preciso uma zona de repouso de vez em quando.

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Se tudo tivesse corrido como o plano queria, hoje ou amanhã estaria a largar para Blanes.

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As pilas conadas (estas coisas andam aos pares) abrem-me o apetite, que previra reduzido depois da sublime paella do almoço. Acabo no Johnny Dhaba a comer um caril de frango e um naan. A senhora que está na mesa à frente da minha tem um cu de ir ao céu, para adoptar a taxonomia do Xisco. Está de perfil para mim e só ocasionalmente lhe vejo a face. Não é só o rabo. É o olhar, o sorriso, a expressão, tudo o que de intangível um corpo tem. De vez em quando endireita as costas, projecta o peito e o rabo, os cabelos longos meio castanhos meio louros parece que se animam.

O homem está sentado de lado para a mesa e para ela, de frente para mim. Pouco a pouco vai cedendo. Vejo-o sorrir e abrir-se cada vez mais. Há felicidades, mesmo alheias, que nos levam ao céu. 

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