12.1.24

Diário de Bordos - Fort-de France, Martinique, DOM-TOM França, 12-01-2024

Chove e venta. Estão ambos tardios, o vento e a chuva. Estamos em meados de Janeiro, que diabo! Tempo de parar com esta porcaria desta chuva diurna e de acalmar os ímpetos eólicos, que não precisamos de gerar electricidade e menos ainda de salvar o planeta. Só para navegar seria isto útil, mas por enquanto estou amarrado ao hospital (metaforicamente, claro) e preferiria um pouco menos de ar, um pouco menos de chuva (e um pouco mais de ilhas, mas isso só depois).

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Madame,

Quand j'étais jeune et le «taureau furieux» habitait chez moi (je n'étais pas son seul refuge, évidemment) je demandais souvent que l'on me castrât. Aujourd'hui il s'est de beaucoup assagi mais n'est pas mort du tout. S'il vous plaît, n'écoutez pas mes prières d'aintain.

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Esta música é abominável. Penso no Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas, que parafraseia Agostinho: «O que é a qualidade? Se não me perguntam eu sei mas se me perguntam não consigo explicar».

É o restaurante mais bonito que conheço em Fort-de-France. (Mais sobre isto depois.) Infelizmente os empregados não percebem que a música é para os clientes, não para eles. (Já não falo sequer da ausência de música, seria como falar de ir a Marte a um paralítico.)

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Uma vez mais confirmo uma ideia que me é querida: o melhor momento de um preconceito é quando descobrimos que estávamos enganados e devemos trocá-lo por outro. Desta vez, o motor da confirmação foi o L'Impératrice, que por sinal é o sítio mais bonito que conheço aqui. (É importante notar que não conheço muitos.) De tão bonito nunca lá comi, pensando que seria caríssimo. Pois bem: hoje descobri que não, não só não é caro como é mais barato do que a maioria das espeluncas aonde tenho andado a comer a preços exorbitantes.

Descoberta esta que devo à Carole, com quem ontem me «zanguei». Aspas porque é mentira. Não me zanguei com ela. De resto é raro zangar-me seja com quem for. Desvaneço-me, é tudo. Decidi simplesmente que não voltarei a almoçar lá. 

O serviço do Impératrice é péssimo - aquilo é profundamente local -, as empregadas são obesas, o sítio é lindo de morrer, a comida excelente, os preços desafiam a credulidade deste pobre marinheiro longe de casa (depois se veria que tem razão, mas isso é outra história), a horrível música do almoço foi substituída por uma algazarra que tem pelo menos a vantagem de ser «local».

O meu amor pelos trópicos é sempre matizado pela ausência generalizada de qualidade, no sentido que o Pirsig lhe dá. O que não significa, de forma alguma, que não prefira estar aqui agora a estar noutro lado qualquer. Prefiro, sim. De resto, tudo o que pode retardar esta metamorfose em velho rezingão é bem vindo.

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Metamorfose sendo o título da primeira exposição que fui ver aqui. Duas jovens miúdas, muito jovens, abalançaram-se a fazer um estudo sobre as mudanças ocorridas na ilha desde não percebi bem quando. A coisa tem todos os clichés, lugares-comuns e mitos da actualidade mas tem também dados numéricos e factuais interessantes. Resultado: quero ir ver outra vez. Infelizmente a mostra de hoje é única e uma das jovens não sabe quando será a outra. Deixei-lhe um cartão, para me avisar. Tenho de despachar os cartões. Se fossem em Braille e os desse a alguém que vê bem o efeito seria o mesmo.

Domingo organizam um passeio pela ilha e estou sinceramente tentado a ir. Quanto à exposição: fica para depois, se ainda me lembrar.

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Hoje aprendi que se deve controlar a conta em todos os restaurantes. Sublinho todos, mesmo os bonitos. Elas vão descobrir uma razão pela qual aquilo que vamos pagar difere daquilo que pensávamos pagar. Isto acontece em todo o lado. O importante é controlar os preços no momento do pedido.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.