",,,Um dia vai ser preciso que tu me expliques; e outro que eu perceba.Tem de ser em dias diferentes porque explicar e perceber são coisas difíceis, mágicas, de consequências pesadas. Sabemos lá, nós, nós, o que dali virá.
Eu por exemplo preciso de perceber hoje, só hoje, porque estou no mar e me faltas tanto, como se fosses outro mar; e tu já tantas vezes mo explicaste.
Talvez num dia de menos mar e mais tu, vai saber; não há dias de menos tu e mais mar - é outra coisa que preciso de perceber, e tu tantas vezes explicaste..."
24.9.12
23.9.12
Prémios
Não sei quando é que isto foi escrito; pode ser uma coisa de adolescência, ou resultado de uma ressaca colossal, como a que me fez vomitar, no outro dia. Mas a verdade é que me pergunto se o resto é igual; e fico sem vontade de saber.
"Porque das nádegas
a curva
sempre oferece
a fenda
o rio
o fundo do buraco"
(Via Alberto Gonçalves.)
Portimão, Algarve, Portugal, 23-09-2012
220912
Golfinhos na proa. Gosto de os ver porque estão a divertir-se como loucos. Dois deles lutam pela posição mais perto da roda de proa. A agilidade destes animais é impressionante. Que estão a divertir-se é um facto incontestável; mas a impressão é acentuada pela expressão: parece que estão a rir-se, embora isso seja pouco provável, pois nunca vi nenhum com ar sério. Mesmo quando estão visivelmente de passagem ou ocupados com outras coisas, como caçar (ou pescar? Não sei).
O serviço meteorológico espanhol é mais ou menos como o português, mas para pior. Nós ainda acertamos no tempo que fez ontem (apesar de eu nem sempre o reconhecer); eles nem isso. Vams com um levante força 3, tinham previsto poniente 4... O que eu não percebo é que continuam a difundir a previsão, que data de ontem à noite, como se nada fosse. Já me tinha apercebido disso durante a viagem do SOGNO, e agora confirma-se.
É meio dia e a habitual luta entre o nevoeiro e o sol está no auge. Espero que ganhe o sol, claro, mas devo reconhecer que gosto deste monocromatismo cinzento (ainda há um bocadinho de visibilidade, milha e meia, duas milhas).
A norte vê-se bem Tarifa, que estamos a passar; a sul nada: uma parede cinzenta com manchas de luz dispersas aqui e ali, cinzentas elas igualmente, se bem mais claras. Cinzento a bombordo, azul a estibordo - o cenário não é monocromático, é bicromático.
Gosto destes barcos de deslocamento pesado. Um gajo não tem a impressão de estar a gastar gasóleo para nada: 80 litros / hora para fazer 10 - 11 nós.
Não gosto de ouvir música quando estou de quarto; mas tanto A. como R. o fazem. Têm ambos um bom gosto surpreendente, pouco habitual nestas paragens. Escrevo estas linhas ao som de Muddy Waters (é o quarto de A.); R. deixa-me regularmente o computador, ou o iQualquercoisa. Vai de Cat Stevens a Jimi Hendrix, passando por tudo o que eu ouvia quando tinha a idade dele. Oiço cinco ou dez minutos e depois apago-o. Prefiro abrir a porta da ponte e ouvir o mar.
Enfim, não é bem o mar: é o diálogo do A. com o mar.
O levante cresce e o sol ganha, pouco a pouco, dificilmente, a batalha. Em breve a paisagem será monocromática e bitonal: o azul do céu e o do mar. Entro de quarto às quatro da tarde.Espero pelo almoço para ir dormir a sesta. Há pessoas que acham o mar monótono. Provavelmente são as mesmas que não acham a terra mortalmente aborrecida.
23-09-2012
Sobretudo se for Portimão, que nesta tarde de domingo chuvosa e triste é uma desolação. Salvam-na a simpatia e eficácia do pessoal da marina, os doces da Casa Inglesa e pouco mais.
Como a memória das melhores sardinhas da minha vida, comidas no Forte e Feio com o Júlio. Ou a da Ambassador Cup, talvez não a maior, mas de certeza a mais bonita e mais espectacular desgraça que cometi (estamos atracados no pontão onde fizemos o desenho dos barcos que participaram).
Autoretratos diversos.
Golfinhos na proa. Gosto de os ver porque estão a divertir-se como loucos. Dois deles lutam pela posição mais perto da roda de proa. A agilidade destes animais é impressionante. Que estão a divertir-se é um facto incontestável; mas a impressão é acentuada pela expressão: parece que estão a rir-se, embora isso seja pouco provável, pois nunca vi nenhum com ar sério. Mesmo quando estão visivelmente de passagem ou ocupados com outras coisas, como caçar (ou pescar? Não sei).
O serviço meteorológico espanhol é mais ou menos como o português, mas para pior. Nós ainda acertamos no tempo que fez ontem (apesar de eu nem sempre o reconhecer); eles nem isso. Vams com um levante força 3, tinham previsto poniente 4... O que eu não percebo é que continuam a difundir a previsão, que data de ontem à noite, como se nada fosse. Já me tinha apercebido disso durante a viagem do SOGNO, e agora confirma-se.
É meio dia e a habitual luta entre o nevoeiro e o sol está no auge. Espero que ganhe o sol, claro, mas devo reconhecer que gosto deste monocromatismo cinzento (ainda há um bocadinho de visibilidade, milha e meia, duas milhas).
A norte vê-se bem Tarifa, que estamos a passar; a sul nada: uma parede cinzenta com manchas de luz dispersas aqui e ali, cinzentas elas igualmente, se bem mais claras. Cinzento a bombordo, azul a estibordo - o cenário não é monocromático, é bicromático.
Gosto destes barcos de deslocamento pesado. Um gajo não tem a impressão de estar a gastar gasóleo para nada: 80 litros / hora para fazer 10 - 11 nós.
Não gosto de ouvir música quando estou de quarto; mas tanto A. como R. o fazem. Têm ambos um bom gosto surpreendente, pouco habitual nestas paragens. Escrevo estas linhas ao som de Muddy Waters (é o quarto de A.); R. deixa-me regularmente o computador, ou o iQualquercoisa. Vai de Cat Stevens a Jimi Hendrix, passando por tudo o que eu ouvia quando tinha a idade dele. Oiço cinco ou dez minutos e depois apago-o. Prefiro abrir a porta da ponte e ouvir o mar.
Enfim, não é bem o mar: é o diálogo do A. com o mar.
O levante cresce e o sol ganha, pouco a pouco, dificilmente, a batalha. Em breve a paisagem será monocromática e bitonal: o azul do céu e o do mar. Entro de quarto às quatro da tarde.Espero pelo almoço para ir dormir a sesta. Há pessoas que acham o mar monótono. Provavelmente são as mesmas que não acham a terra mortalmente aborrecida.
23-09-2012
Sobretudo se for Portimão, que nesta tarde de domingo chuvosa e triste é uma desolação. Salvam-na a simpatia e eficácia do pessoal da marina, os doces da Casa Inglesa e pouco mais.
Como a memória das melhores sardinhas da minha vida, comidas no Forte e Feio com o Júlio. Ou a da Ambassador Cup, talvez não a maior, mas de certeza a mais bonita e mais espectacular desgraça que cometi (estamos atracados no pontão onde fizemos o desenho dos barcos que participaram).
Autoretratos diversos.
19.9.12
Felicidade, morte
Há qualquer coisa de mortífero na felicidade. Que importa morrer agora, se morrer feliz?
Palma de Maiorca, Ilhas Baleares, Espanha, 19-09-2012
Seria muito mais dramático dizer "no dia em que o dinheiro acabou arranjámos os dois emprego". Mas o quotidiano não é, por definição, dramático; e isto é um diário, um quase diário, não uma obra de ficção.
Não arranjámos os dois trabalho: a Tatiana começou a trabalhar, e eu tive uma entrevista de cuja resposta estou à espera. Quanto ao dinheiro acabar: é um conceito fluido, esse do fim do dinheiro. Fugidio como o dinheiro ele próprio.
Para mim, dinheiro acabar é isso mesmo: quando a quantidade de euros, libras esterlinas, US ou EC dólares que tenho no bolso (o meu banco é o bolso) chega a zero. Simpaticamente, o meu banco manda-me um aviso na véspera desse dia e diz-me que devia talvez, quiçá, eventualmente começar a preocupar-me; o meu apetite aumenta vertiginosamente e oops, o dinheiro acaba. Para a Tatiana "dinheiro acabar" é diferente. É sinónimo de ter pouco - o que para mim é um pleonasmo, mas enfim, cada um é como cada qual e a semântica é de todos.
A verdade é que ainda tínhamos dinheiro para comer dois ou três dias, se comêssemos muito barato. Mesmo assim pusemos o iPad à venda num site de vendas em segunda mão. Nenhum de nós o usava, estava novo, e com dezoito e-mails e telefonemas de pessoas interessadas a coisa foi-se num ápice. Ficámos com dinheiro para mais uns dias (muitos, porque fizemos promessas de não o gastar) e fomo-nos de tapas, antes de ir comer ao restaurante.
Pouco a pouco a Tatiana vai aprendendo aquela grande verdade marinheira segundo a qual se não formos nós a gastar a massa ela gasta-se sozinha; mais vale gastá-la enquanto a temos. Ainda não chegou aos vinte e cinco anos (está quase); eu vou nos segundos e uma fracção dos terceiros. É natural que já tenha passado várias vezes por estas coisas, que a maioria das pessoas só vive uma vez.
Enfim, seja como for a jovem metade pensante de mim tem um emprego no M/Y D.; eu estou à espera que me respondam do A., igualmente a motor mas de 26 metros, para ir de tripulante até à Holanda. Temos dinheiro, livrámo-nos do iCoiso que era um peso inútil e continuamos a gostar de Palma - tanto que até já temos saudades antecipadas, para quando nos formos embora de vez.
Palma é uma cidade amável; quando passeamos nas ruas as árvores dão-nos sombra; inúmeros cafés e restaurantes propõem-nos de comer a um preço razoável e qualidade altíssima; há muitas livrarias e lojas de discos - algumas das quais, simpaticamente, mesmo ao lado de nossa casa. É uma cidade cosmopolita por causa dos turistas e dos yachties, dois grupos de que não sou fã nem faço parte mas que contribuem, sem dúvida, para fazer de Palma o que é.
Ontem começámos as tapas no 5ª Punheta (em espanhol de Espanha é o equivalente de "atrás do sol posto"); pergunto ao jovem e simpático senhor do balcão se sabe o que significa em português e ele responde-me num escorreito português do Brasil que sim; e que no espanhol da América Latina também. As tapas estavam óptimas, o tinto da casa igualmente, e o meu vocabulário saiu enriquecido.
........
Acabo de ter a confirmação de que tenho o trabalho no A. Largamos amanhã para a Holanda, não sei que porto. Dez a quinze dias de viagem. Gostaria que fosse um bocadinho mais, mas é melhor do que nada. Melhor do que Palma, até.
........
Hoje fui cumprir uma promessa e fui almoçar ao mini restaurannte Casa Julio.
Nunca tinha ido a um mini restaurante e além disso estou a morrer de saudades do meu amigo Júlio, que agora cria cães d'água portugueses no Alentejo.
Afinal o mini restaurante Casa Julio (do qual, aliás, já tinha tido as melhores referências) de mini não tem nada.
Muito pelo contrário, como se pode ver. E come-se lindamente, Júlio. Vê lá se vendes meia dúzia de ninhadas até ao fim do mês, que lá por volta da primeira semana de Outubro estarei por cá de novo.
A luz de Palma não é tão bonita como a de Lisboa, mas também tem coisas giras. Gosto muito da Rambla, mesmo ao lado de nossa casa,
e deste prédios, não muito longe.
De maneira agora hesito entre ir beber o que sobra do iPad (é uma expressão literária, querida, nada de sustos) ou ir dormir a sesta. Com um bocadinho de sorte e uma gestão apertada do tempo posso fazer as duas coisas.
Não arranjámos os dois trabalho: a Tatiana começou a trabalhar, e eu tive uma entrevista de cuja resposta estou à espera. Quanto ao dinheiro acabar: é um conceito fluido, esse do fim do dinheiro. Fugidio como o dinheiro ele próprio.
Para mim, dinheiro acabar é isso mesmo: quando a quantidade de euros, libras esterlinas, US ou EC dólares que tenho no bolso (o meu banco é o bolso) chega a zero. Simpaticamente, o meu banco manda-me um aviso na véspera desse dia e diz-me que devia talvez, quiçá, eventualmente começar a preocupar-me; o meu apetite aumenta vertiginosamente e oops, o dinheiro acaba. Para a Tatiana "dinheiro acabar" é diferente. É sinónimo de ter pouco - o que para mim é um pleonasmo, mas enfim, cada um é como cada qual e a semântica é de todos.
A verdade é que ainda tínhamos dinheiro para comer dois ou três dias, se comêssemos muito barato. Mesmo assim pusemos o iPad à venda num site de vendas em segunda mão. Nenhum de nós o usava, estava novo, e com dezoito e-mails e telefonemas de pessoas interessadas a coisa foi-se num ápice. Ficámos com dinheiro para mais uns dias (muitos, porque fizemos promessas de não o gastar) e fomo-nos de tapas, antes de ir comer ao restaurante.
Pouco a pouco a Tatiana vai aprendendo aquela grande verdade marinheira segundo a qual se não formos nós a gastar a massa ela gasta-se sozinha; mais vale gastá-la enquanto a temos. Ainda não chegou aos vinte e cinco anos (está quase); eu vou nos segundos e uma fracção dos terceiros. É natural que já tenha passado várias vezes por estas coisas, que a maioria das pessoas só vive uma vez.
Enfim, seja como for a jovem metade pensante de mim tem um emprego no M/Y D.; eu estou à espera que me respondam do A., igualmente a motor mas de 26 metros, para ir de tripulante até à Holanda. Temos dinheiro, livrámo-nos do iCoiso que era um peso inútil e continuamos a gostar de Palma - tanto que até já temos saudades antecipadas, para quando nos formos embora de vez.
Palma é uma cidade amável; quando passeamos nas ruas as árvores dão-nos sombra; inúmeros cafés e restaurantes propõem-nos de comer a um preço razoável e qualidade altíssima; há muitas livrarias e lojas de discos - algumas das quais, simpaticamente, mesmo ao lado de nossa casa. É uma cidade cosmopolita por causa dos turistas e dos yachties, dois grupos de que não sou fã nem faço parte mas que contribuem, sem dúvida, para fazer de Palma o que é.
Ontem começámos as tapas no 5ª Punheta (em espanhol de Espanha é o equivalente de "atrás do sol posto"); pergunto ao jovem e simpático senhor do balcão se sabe o que significa em português e ele responde-me num escorreito português do Brasil que sim; e que no espanhol da América Latina também. As tapas estavam óptimas, o tinto da casa igualmente, e o meu vocabulário saiu enriquecido.
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Acabo de ter a confirmação de que tenho o trabalho no A. Largamos amanhã para a Holanda, não sei que porto. Dez a quinze dias de viagem. Gostaria que fosse um bocadinho mais, mas é melhor do que nada. Melhor do que Palma, até.
........
Hoje fui cumprir uma promessa e fui almoçar ao mini restaurannte Casa Julio.
Nunca tinha ido a um mini restaurante e além disso estou a morrer de saudades do meu amigo Júlio, que agora cria cães d'água portugueses no Alentejo.
Afinal o mini restaurante Casa Julio (do qual, aliás, já tinha tido as melhores referências) de mini não tem nada.
Muito pelo contrário, como se pode ver. E come-se lindamente, Júlio. Vê lá se vendes meia dúzia de ninhadas até ao fim do mês, que lá por volta da primeira semana de Outubro estarei por cá de novo.
A luz de Palma não é tão bonita como a de Lisboa, mas também tem coisas giras. Gosto muito da Rambla, mesmo ao lado de nossa casa,
e deste prédios, não muito longe.
De maneira agora hesito entre ir beber o que sobra do iPad (é uma expressão literária, querida, nada de sustos) ou ir dormir a sesta. Com um bocadinho de sorte e uma gestão apertada do tempo posso fazer as duas coisas.
16.9.12
Palma de Maiorca, Ilhas Baleares, Espanha, 16-09-2012
Muito devagar, passo a passo, espirro a espirro, o verão vai-se embora. Já de vez em quando à noite é preciso uma manta; de manhã um pico, um arrepio, uma surpresa estimulam o passo e fazem-me querer chegar depressa à minha mesa, esperar pelo café que já vem mesmo sem ser pedido e sem açúcar nem colher.
O sol está perto do Equador, muito perto; meia dúzia de dias e passa para o lado de lá. A T. também está perto do seu equador: mais um dia ou dois e começa a trabalhar. Agora falto eu; onde estará a linha? Preciso de voltar para o mar, por muito que goste de Palma. Nem que seja para uma saída de fim-de-semana, para meia dúzia de horas.
A terra tem poucas supresas, é sempre igual; o mar não. Muda constantemente, apesar de parecer o contrário a quem o vê de fora. Em terra todo o marinheiro é triste; ou será a terra que é triste?
Ontem fomos ao concerto do G. e da sua banda, os Fruto de la Manga. São muito bons, o Bluesville estava apinhado. T. cantou duas canções. Foi a primeira vez que a ouvi cantar num sítio assim, "profissional"; o público gostu muito. Eu também, apesar de preferir ouvi-la a cantar jazz.
A vontade é um labirinto misterioso, incompreensível até se lhe ver os resultados.
O sol está perto do Equador, muito perto; meia dúzia de dias e passa para o lado de lá. A T. também está perto do seu equador: mais um dia ou dois e começa a trabalhar. Agora falto eu; onde estará a linha? Preciso de voltar para o mar, por muito que goste de Palma. Nem que seja para uma saída de fim-de-semana, para meia dúzia de horas.
A terra tem poucas supresas, é sempre igual; o mar não. Muda constantemente, apesar de parecer o contrário a quem o vê de fora. Em terra todo o marinheiro é triste; ou será a terra que é triste?
Ontem fomos ao concerto do G. e da sua banda, os Fruto de la Manga. São muito bons, o Bluesville estava apinhado. T. cantou duas canções. Foi a primeira vez que a ouvi cantar num sítio assim, "profissional"; o público gostu muito. Eu também, apesar de preferir ouvi-la a cantar jazz.
A vontade é um labirinto misterioso, incompreensível até se lhe ver os resultados.
Salvação, futuro
O século XIX e parte do XX viam a salvação no futuro; para melhorar era preciso andar, olhar, sonhar para a frente. É lamentável que para a nossa época a "salvação", a solução estejam no passado.
As pessoas olham para trás, desconfiam da ciência, têm medo do que as espera. Talvez seja por isso: habituaram-se a esperar pelo futuro, em vez de o fazer.
As pessoas olham para trás, desconfiam da ciência, têm medo do que as espera. Talvez seja por isso: habituaram-se a esperar pelo futuro, em vez de o fazer.
15.9.12
Relação ou consequência
Jorge Luís Borges fala de um povo que não vê relação entre o acto sexual e a gravidez (ou o nascimento, não me lembro).
As pessoas que pedem menos austeridade fazem-me pensar nesse povo: Sócrates andou a fornicar o país durante anos e elas não vêem a relação dessa fornicação com a presente austeridade.
(E pedem menos austeridade, mas isso é porque o homem falava bem, provavelmente; e muita gente gosta de emprenhar pelos ouvidos, dá menos trabalho).
As pessoas que pedem menos austeridade fazem-me pensar nesse povo: Sócrates andou a fornicar o país durante anos e elas não vêem a relação dessa fornicação com a presente austeridade.
(E pedem menos austeridade, mas isso é porque o homem falava bem, provavelmente; e muita gente gosta de emprenhar pelos ouvidos, dá menos trabalho).
Destinário errado?
As pessoas que "querem as suas vidas" deviam talvez dirigir o pedido a Sócrates, não?
(Além de que uma manif em Paris tem outro chic.)
Resgates e orgulho
A Espanha está a fazer tudo o que teria de fazer se pedisse um resgate; assim, quando o pedir, poderá negociar as condições e pretender que continua a mandar.
13.9.12
Palma de Maiorca, Ilhas Baleares, Espanha, 13-09-2012
Hoje vamos a uma festa em casa de G. Ia levar tapenade e hummus mas a verdade é que estou um bocadinho farto de ambos e acabámos por optar por uma bola de carne, que nunca fiz.
A minha maneira de cozinhar faz-me pensar naquela história dos dois cegos que entram num avião e, tacteando com as bengalas, perguntando aos passageiros da primeira fila de cadeiras onde é a cabine de pilotagem, lá acabam por encontrá-la. Sentam-se, ligam os motores e os passageiros, que até ali tinham pensado que era uma piada respiram funda e audivelmente.
O avião dirigiu-se para o início da pista e o aaahhhh dos passageiros tornou-se mais audível; acelerou e começou a corrida para descolar e o barulho do medo sobrepôs-se ao dos motores; até que o avião chega quase ao fim da pista, os passageiros não aguentam mais e gritam AAAAAAAAAAHHHHH. Nesse momento o avião descola e um dos pilotos diz ao outro "qualquer dia eles não gritam e espatifamo-nos".
Hoje foi assim com a bola; vamos ver se está boa. Se as pessoas gritarem acertei.
Não nos podemos queixar: temos comido a preços módicos e mais ou menos correctamente. No outro dia comprámos um frango que deu para uma canja, um frango corado no forno e acabou, honoravelmente, como recheio de fajitas.
Por vezes comemos fora: tapas, pintxos, porciones. Sempre me deu prazer descobrir que os meus preconceitos estão errados; mas poucas correcções foram tão agradáveis como a descoberta de que, contrariamente ao que pensei durante anos (seria mais correcto dizer gerações) a comida espanhola é excelente. Não é uma iluminação recente, mas a sua confirmação ainda hoje me faz dar graças a tão persistente preconceito - quanto mais enraizados e persistentes mais agradável é descobrir-lhes o engano.
Tivemos sorte com os nossos amigos de Palma. São ambos argentinos mas de planetas diferentes - um músico, outro técnico em electrónica naval; conheceram-se em Antigua, onde G. foi tocar o inverno passado. Através deles, cada um por seu lado, temos vindo a descobrir a cidade de uma forma particularmente aprazível: a Palma dos argentinos talvez não seja muito diferente da outra, mas é de certeza muito mais simpática.
A ver se a simpatia se mantém depois de provarem a broa.
A minha maneira de cozinhar faz-me pensar naquela história dos dois cegos que entram num avião e, tacteando com as bengalas, perguntando aos passageiros da primeira fila de cadeiras onde é a cabine de pilotagem, lá acabam por encontrá-la. Sentam-se, ligam os motores e os passageiros, que até ali tinham pensado que era uma piada respiram funda e audivelmente.
O avião dirigiu-se para o início da pista e o aaahhhh dos passageiros tornou-se mais audível; acelerou e começou a corrida para descolar e o barulho do medo sobrepôs-se ao dos motores; até que o avião chega quase ao fim da pista, os passageiros não aguentam mais e gritam AAAAAAAAAAHHHHH. Nesse momento o avião descola e um dos pilotos diz ao outro "qualquer dia eles não gritam e espatifamo-nos".
Hoje foi assim com a bola; vamos ver se está boa. Se as pessoas gritarem acertei.
Não nos podemos queixar: temos comido a preços módicos e mais ou menos correctamente. No outro dia comprámos um frango que deu para uma canja, um frango corado no forno e acabou, honoravelmente, como recheio de fajitas.
Por vezes comemos fora: tapas, pintxos, porciones. Sempre me deu prazer descobrir que os meus preconceitos estão errados; mas poucas correcções foram tão agradáveis como a descoberta de que, contrariamente ao que pensei durante anos (seria mais correcto dizer gerações) a comida espanhola é excelente. Não é uma iluminação recente, mas a sua confirmação ainda hoje me faz dar graças a tão persistente preconceito - quanto mais enraizados e persistentes mais agradável é descobrir-lhes o engano.
Tivemos sorte com os nossos amigos de Palma. São ambos argentinos mas de planetas diferentes - um músico, outro técnico em electrónica naval; conheceram-se em Antigua, onde G. foi tocar o inverno passado. Através deles, cada um por seu lado, temos vindo a descobrir a cidade de uma forma particularmente aprazível: a Palma dos argentinos talvez não seja muito diferente da outra, mas é de certeza muito mais simpática.
A ver se a simpatia se mantém depois de provarem a broa.
Pacote dois em um
O PSD apresenta sobre os outros partidos a vantagem de ser simultaneamente governo e oposição.
Já agora...
...alguém me pode dizer como é que a esquerda portuguesa reagiu aos anúncios do (ámen, genuflexão e vénia) Hollande?
12.9.12
Palma de Maiorca, Ilhas Baleares, Espanha
Não sou, nunca fui, grande turista. É raro ir a um sítio qualquer para descansar, ou para visitar, ou para não fazer nada. As fotografias reflectem essa incapacidade; mas são a minha forma de me apropriar a cidade e é por isso que as faço.
11.9.12
Cobardia, cobardia, cobardia
"Um deputado sob anonimato"? Entre deputados "independentes" que saem da sala para não desobedecer ao partido pelo qual foram eleitos e deputados que falam sob anonimato a corja é realmente linda. Cheira bem.
9.9.12
Palma de Maiorca, Ilhas Baleares, Espanha, 09-09-2012
Descobri Barcelona em 79 ou 80 pela mão de um casal peculiar: ele era basco, baixo, moreno quase escuro e falava espanhol e francês; ela era alemã, loira, alta e falava alemão e inglês. Entendiam-se porque frequentavam ambos a escola de mímica e comunicavam entre eles mimando.
Viviam no Barrio Chino, e a Barcelona com que tomei contacto foi a deles, claro: porros de vinho e dos outros (muitos de ambos), tascas de "artistas" (alguns não mereciam aspas, verdade seja dita), ensaios de números de circo para a escola - dos quais um me ficou e ficará para sempre na memória.
Barcelona mudou, eu também, e os artistas (sem aspas; os outros estão iguais) muito mais. Pensava nisto ontem quando percorríamos as ruas de Palma com G. e A., os nossos amigos de Mallorca, através de quem conseguimos a casa. Ele é músico de rua, ela fotógrafa e levam-nos depois do jantar para o quarteirão "das prostitutas e dos ciganos".
O bairro é asséptico (em Barcelona o Barrio Chino desapareceu, pura e simplesmente; e poucos se lembravam dele, quando uma vez por lá andei à procura), as prostitutas invisíveis, de ciganos nem traços. Em Barcelona já ninguém bebe vinho por porros (se bem continuem a fumá-los, provavelmente com outro nome). O mundo está mais limpo; suponho que devo acrescentar "e ainda bem". Não acrescento. O que é inevitável é desinteressante. Só interessa o que temos possibilidade de alterar. Falar do vento não o muda.
O que interessa é o que gosto desta cidade, das suas árvores e da luz que elas filtram, da convivência harmoniosa de casas antigas e casas modernas, do ritmo lento e pacato das pessoas. Tal como amar uma pessoa, amar uma cidade é, sobretudo, querer conhecê-la. Ama-se o que (ou quem) não se conhece; amar é aprender. Quanto mais houver para aprender maior é o amor.
Viviam no Barrio Chino, e a Barcelona com que tomei contacto foi a deles, claro: porros de vinho e dos outros (muitos de ambos), tascas de "artistas" (alguns não mereciam aspas, verdade seja dita), ensaios de números de circo para a escola - dos quais um me ficou e ficará para sempre na memória.
Barcelona mudou, eu também, e os artistas (sem aspas; os outros estão iguais) muito mais. Pensava nisto ontem quando percorríamos as ruas de Palma com G. e A., os nossos amigos de Mallorca, através de quem conseguimos a casa. Ele é músico de rua, ela fotógrafa e levam-nos depois do jantar para o quarteirão "das prostitutas e dos ciganos".
O bairro é asséptico (em Barcelona o Barrio Chino desapareceu, pura e simplesmente; e poucos se lembravam dele, quando uma vez por lá andei à procura), as prostitutas invisíveis, de ciganos nem traços. Em Barcelona já ninguém bebe vinho por porros (se bem continuem a fumá-los, provavelmente com outro nome). O mundo está mais limpo; suponho que devo acrescentar "e ainda bem". Não acrescento. O que é inevitável é desinteressante. Só interessa o que temos possibilidade de alterar. Falar do vento não o muda.
O que interessa é o que gosto desta cidade, das suas árvores e da luz que elas filtram, da convivência harmoniosa de casas antigas e casas modernas, do ritmo lento e pacato das pessoas. Tal como amar uma pessoa, amar uma cidade é, sobretudo, querer conhecê-la. Ama-se o que (ou quem) não se conhece; amar é aprender. Quanto mais houver para aprender maior é o amor.
"Que fazer com Portugal?"
Este artigo - do qual não estou a 100% de acordo com a conclusão (prefiro a democracia directa a qualquer outra forma) - devia ser lido. Para o adaptar a Portugal haveria muito poucas mudanças a fazer.
8.9.12
Literacias, coragem
Uma das coisas que mais admiro na oposição socialista é as coisas que ela sabe. Sabe para burro, passe a expressão. É admirável, incompreensível e injusto ter deixado o país no estado em que deixou, quando estava no governo. Devem esquecer o que sabem, quando governam.
Já quanto à cobardia estou de acordo. O autor deste post sabe do que fala quando fala de cobardia política; e a verdade é que Pedro Passos Coelho devia ter tido coragem para anunciar reformas a sério. Aposto que o PS, e todos aqueles que se aproveitaram do regabofe socratista se extasiariam: "o homem tem coragem".
Já quanto à cobardia estou de acordo. O autor deste post sabe do que fala quando fala de cobardia política; e a verdade é que Pedro Passos Coelho devia ter tido coragem para anunciar reformas a sério. Aposto que o PS, e todos aqueles que se aproveitaram do regabofe socratista se extasiariam: "o homem tem coragem".
Palma de Maiorca, Ilhas Baleares, Espanha, 08-09-20112
A viagem acabou, finalmente. O S. está limpo e entregue. Mais de três semanas para fazer 800 milhas é um recorde. Espero não ser forçado a ultrapassá-lo em breve.
A viagem foi o habitual no verão mediterrânico: 80% de motor, 20% de navegação estupenda. Tivemos sorte com os dois últimos barcos, ambos bastante bons; a ver o que nos vai sair na próxima rifa.
A chegada foi festejada com um magnífico jantar na Bodega d'es Port, em Alcudia, no norte da ilha. Óptima comida típica maiorquina, preços acessíveis, serviço de um profissionalismo e simpatia inexcedíveis: do aspecto gastronómico da viagem tão pouco nos podemos queixar. Começámos em Londres com um jantar etíope, deliciámo-nos com tapas em Barbate, comemos pessimamente em Aguadulce, não-tivemos dinheiro em Denia... uma paleta variada.
Em Palma vivemos no centro da cidade, num bairro que é mais ou menos o equivalente do Príncipe Real em Lisboa, perto de tudo mas longe da confusão. Faz-me pensar em Zurique, onde vivia no Niederdorf; e penso na quantidade de lugares maravilhosos que tenho habitado ultimamente: o Reef Gardens em Antigua, a "casa do vento" no Marin, o Portal da Amazónia em São Luís. Quem não tem casa tem casas, quem não tem país tem o mundo, passe a derrapagem.
Escrevo numa esplanada de uma rambla de Palma, à sombra de duas fiadas de plátanos muito altos; as copas unem-se para formar um túnel verde e, onde chega o sol, amarelo. O passeio central é ocupado por quiosques de floristas cujo cheiro me chega por vagas, como se quisessem que não me habituasse a ele. Ainda é cedo para uma manhã de sábado espanhol, e a rua tem pouca gente. Está calor, as mulheres são bonitas, o barulho do trafego suportável, o empregado do café simpático, o sítio lindo; há decerto melhores maneiras de começar um dia, mas esta satisfaz-me plenamente.
A viagem foi o habitual no verão mediterrânico: 80% de motor, 20% de navegação estupenda. Tivemos sorte com os dois últimos barcos, ambos bastante bons; a ver o que nos vai sair na próxima rifa.
A chegada foi festejada com um magnífico jantar na Bodega d'es Port, em Alcudia, no norte da ilha. Óptima comida típica maiorquina, preços acessíveis, serviço de um profissionalismo e simpatia inexcedíveis: do aspecto gastronómico da viagem tão pouco nos podemos queixar. Começámos em Londres com um jantar etíope, deliciámo-nos com tapas em Barbate, comemos pessimamente em Aguadulce, não-tivemos dinheiro em Denia... uma paleta variada.
Em Palma vivemos no centro da cidade, num bairro que é mais ou menos o equivalente do Príncipe Real em Lisboa, perto de tudo mas longe da confusão. Faz-me pensar em Zurique, onde vivia no Niederdorf; e penso na quantidade de lugares maravilhosos que tenho habitado ultimamente: o Reef Gardens em Antigua, a "casa do vento" no Marin, o Portal da Amazónia em São Luís. Quem não tem casa tem casas, quem não tem país tem o mundo, passe a derrapagem.
Escrevo numa esplanada de uma rambla de Palma, à sombra de duas fiadas de plátanos muito altos; as copas unem-se para formar um túnel verde e, onde chega o sol, amarelo. O passeio central é ocupado por quiosques de floristas cujo cheiro me chega por vagas, como se quisessem que não me habituasse a ele. Ainda é cedo para uma manhã de sábado espanhol, e a rua tem pouca gente. Está calor, as mulheres são bonitas, o barulho do trafego suportável, o empregado do café simpático, o sítio lindo; há decerto melhores maneiras de começar um dia, mas esta satisfaz-me plenamente.
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