29.1.22
A propósito de vírgulas
Para Fowler, a pontuação era um problema moral: «Any one who finds himself putting down several commas close to one another should reflect that he is making himself disagreeable, and question his conscience, as severely as we ought to do about disagreeable conduct in real life, whether it is necessary.»
(Rogério Casanova, no blog Pastoral Portuguesa, post Uma semicolonoscopia ao Orlando, 05-02-2008.)
24.1.22
Pergunta
Resumindo, aquilo que os cépticos dizem é:
- Este vírus é menos letal do que a narrativa oficial propõe: a esmagadora maioria da população não é contagiada, a esmagadora maioria dos contagiados não precisa de ir para o hospital, a esmagadora maioria dos que vão para o hospital não vai para as UCI e a esmagadora maioria dos que vão para os cuidados intensivos não morre. Não tenho os números todos da cascata, mas em Portugal morreram 19 661 pessoas com Covid (cf. infra). Isto representa 0,2% da população e 0,87% dos infectados;
- Os testes PCR, base de cálculo para o número de casos, podem ter uma alta taxa de falsos positivos. Os falsos positivos podem oscilar entre 30 e 90%, consoante a prevalência dos contágios no grupo testado. Isto aplica-se igualmente aos testes post-mortem;
- A maioria das mortes Covid são mortes com Covid e não de Covid. Segundo alguns estudos, só cerca de 5% dos óbitos em Nova Iorque e na Itália foram de pessoas que não tinham mais nada senão a Covid. O secretário de Estado inglês disse recentemente que 40% das pessoas admitidas ao hospital e contabilizadas como Covid tinham dado entrada por outras causas que não o vírus;
- Esta crise foi desencadeada por uma necessidade de manifestação de autoridade do poder central na China e os governos ocidentais - induzidos pelo frenesim mediático - copiaram os métodos chineses;
- As vacinas não estão a corresponder ao prometido. O que era «95% eficaz» já vai na quarta dose;
- A gestão desta pandemia, tal como está a ser feita, tem consequências graves tanto sociais, económicas e sanitárias que não têm sido devidamente tomadas em conta. A vida das pessoas que morreram ou sofrem devido à gestão da crise vale tanto como as das outras;
- O diálogo sobre a Covid tomou um cariz religioso e abandonou há muito o campo da razão.
23.1.22
No pasa nada
O ESTADO DAS COISAS E OS AMANHÃS QUE CANTAM
Este texto começou por ser um pedido de desculpa ao Arnaldo Rivotti e aos leitores do Luso Magiar News pela minha prolongada e não anunciada ausência. Como sempre, evoluiu, tornou-se um rio com afluentes, desaguou noutra coisa. Mas a raiz manteve-se: é um pedido de desculpa.
Temos andado relapsos, a escrita e eu. Cada vez admiro
mais aqueles escritores que escrevem quaisquer que sejam as circunstâncias,
estejam a morrer de fome, de frio, atacados pela doença ou pelas infelicidades
pessoais. Eu preciso de muito menos do que isso para ficar completamente
paralisado, sinapses congeladas, neurónios a ferros.
Não é que as ideias tenham deixado de afluir, que a
vontade de escrever me tenha abandonado. Não, nada disso. É muito mais simples:
a comunicação entre o meu cérebro – ou aquilo que em mim faz de cérebro – e os
meus dedos está interrompida. A ponte que os uniu ruiu, caiu, desmantelou-se,
foi-se a martelo.
E tanto que há sobre o que falar: acabar a história da
Casa, que me povoa muito mais do que eu a povoo; as eleições, pelas quais
finalmente me interesso – estou num dilema e não sou homem de dilemas, gosto de
caminhos direitos (sim, apesar de todas as bifurcações da minha vida); o
maldito vírus, que não há maneira de deixar a cabeça de quem nos governa; o
frio, o café onde venho escrever, os livros que tenho ainda por arrumar, a
minha bicicleta... Enfim, exagero. Estou a esticar a corda para ver se no fim o
balde traz alguma coisa de jeito. Não traz. Para além da Casa nada me
entusiasma e esta não chega para pôr os dedos a funcionar coisa que se veja.
Lembro-me de uma passagem do Zen e da Arte da
Manutenção de Motocicletas, livro de vida, livro semente, basilar, no qual a
personagem, professor universitário, sugere a um aluno que não sabe o que há-de
escrever que descreva a parede, tijolo a tijolo. Devia seguir-lhe o conselho,
talvez: a parede tem centenas de tijolos à vista, irregulares, unidos por
grossas camadas de cimento. Contudo, este tijolo tem um nome: tijolo-cego, ou
burro, ou coisa que o valha e chegado aqui tenho de parar. Isto não é uma
autobiografia.
Armando voltou a chamar-se António, nome com que
nasceu, por imposição de Vanda (?), a senhora que o acolhia quotidianamente na
tasca da aldeia para onde se mudou para morrer. Fiz-lhe a vontade e morri-o. A
história passou para a tal senhora, que começou logo por me fazer exigências:
não gosta do nome de Armando, gosta mais de António que é, diz ela, «nome de
santo e de vagabundo». António é um e outro, verdade seja dita: passou a vida a
tentar ser um gajo decente e aparentemente conseguiu-o. Claro que entre
«decente» e «santo» há uma longa estrada, mas nada que a literatura não consiga
percorrer. Faz o que quer, a literatura, leva-nos por caminhos de cabras, por
carreiros, atalhos, auto-estradas, sobe escadas e desce a abismos. António não
é santo nenhum, excepto aos olhos de Vanda (?). Talvez esta confunda paciência
e santidade; ou sabedoria e santidade; ou, mais prosaica e provavelmente,
desinteresse e santidade. O conto já tem destinatária – a alegria. Devo ser o
triste menos triste do mundo, de tal maneira a alegria me atrai.
Entretanto o país arrasta-se, falido e enregelado,
«infectado» e desesperado, para eleições cuja única dúvida é: o Costa vai-se
mesmo embora? Jura! De vez? Promete! Não sei o que virá a seguir. Os «insiders»
dizem que Costa vai ser substituído pela Mendes, que não sei o que vale. Pouco,
provavelmente. Parece que também oficia na TV, o grande ascensor político deste
país, função esta que rivaliza – e quantas vezes acumula – com a Câmara
Municipal de Lisboa. Como não vejo televisão e de Lisboa só vejo o lixo e a
sujidade nas ruas não estou muito a par. Vou votar dia 30 indeciso entre o voto
contra a Covid ou o voto no longo prazo. A IL, embrenhada em politiquices?
Pois. Não se pode estar no caldeirão e fora dele e a verdade é que do caldo é o
único ingrediente que se aproveita. Mas é preciso sinalizar ao governo que o
vírus não é desculpa para tudo, não é? Não sei. Isto não é fórmula: não sei
mesmo e acho que não saberei até ter o papel à frente e a caneta na mão. Vou
votar ao fim do dia, disso estou mais ou menos seguro: o governo quer reservar
esse período aos «positivos» e podem acusar-me de tudo menos de ser negativo. [Nota:
afinal já não quer. É só «recomendação». Ainda bem.]
Entretanto os «projectos» lá vão andando, a pé coxinho
como tudo em Portugal. Pelo menos para quem não é da família. Moura, Mértola, a
tradução do Avenida (essa não tem nada a ver com a família, verdade seja dita.
Tem a ver com a chuva. Está a ficar fantástica, muito para cima do que eu
esperava). «Projectos» leva aspas, claro: é palavra que já não posso ver à
frente. Faço minha a expressão de absoluto desprezo e descrédito da advogada a
quem o mencionei, há uns largos anos. Nunca me esquecerei do tom com que ela
repetiu «Projecto? Projecto?» como se fosse acha ardente tirada da lareira, ou máscara
suja apanhada na rua. O projecto «casa» (habitação, não o texto) também vai
avançando no habitual pára-arranca. Como a tradução, depende da chuva e de
momento esta anda escassa. Tudo comigo nasce a ferros, talvez para me lembrar
de que também eu saí assim, já lá vão sessenta e quatro anos. O problema é que
daquela vez foi um médico e agora sou eu quem manipula o instrumento e cada vez
necessito de mais força, mais energia, mais vida, mais tudo e cada vez mais
tudo isso me foge. Estou todo podre por dentro, essa é que é essa. E se até há
pouco tempo a podridão era só da cabeça para baixo, agora está em todo o lado.
Alzheimer da alma. Vá lá que ao menos tenho esta vista linda, estas cores às
quais o fim da tarde dá a vida que me tira a mim. Vai tirando, pouco a pouco. Não
sei é se é a luz. Talvez seja o tempo. E talvez não seja só a mim.
A ver vamos, como diz o ceguinho (à mulher, que é
surda).
E depois, que dizer deste clima de suspeita, de
destruição do tecido social, de ataque à liberdade, fraudulento, absurdo,
absolutamente deletério no qual mergulhámos – ou antes, nos mergulharam – há
dois anos e do qual não se vê o fim? Ver vê-se, mas tão longe. A cabeça da maioria
das pessoas continua cheia de merda, não há outro termo; vazia de razão.
Sinto-me como o único gajo são do manicómio, mesmo sabendo que somos muitos – e
somos cada vez mais. Talvez daqui venha alguma esperança, talvez daqui venha o
rio que vai alagar o resto todo. Não seria senão justiça, já que foi ele quem
inundou isto tudo com o cheiro pútrido da loucura. Está na hora de recolher ao
esgoto de onde nunca devia ter saído. A facilidade com que as pessoas trocaram
a liberdade pela segurança é assustadora (e ainda mais se nos lembrarmos de que
«segurança» é um exagero grosseiro). A facilidade com que se deixam enganar
também: estamos muito mais à mercê do que sempre pensei.
É isto: tempos sombrios por dentro e por fora, como se
persianas filtrassem a luz que chega, já de si pouca. Resta-me um consolo: as
persianas abrir-se-ão e a claridade aumentará. Para alguma coisa serve ser
optimista, não? E ter uma flor na lapela da vida.
Lisboa, 22-01-2022
É fartar, vilanagem
A noite apaga-se. O dia foi rico: pela primeira vez, participei numa manifestação. Só há dois temas que me mobilizam: a «pandemia» (aspas porque cito) e o AO90. Tudo o resto é amendoim a macacos no zoo. Em seguida fui jantar à Casa da Índia com a T. e o J., casal de que tanto aprecio tudo e depois conheci a F. S. N. Continuo a não escrever coisa que se veja, a não ler uma linha, mas pelo menos parece estar a aproximar-se o fim desta estação glacial: já sou capaz de falar sobre ela. Isto é, sobre a estadia no fundo do poço. Ainda vivo no meio de sacos e no meio de um deserto onde a chuva se faz esperar mais do que razoavelmente, no meio de uma maré mais seca do que vazia, Continua tudo na mesma e tudo mudou, porque mudou a luz que ilumina o tudo na mesma. Vemos o que somos, vemos o como estamos. O orgão da visão é o cérebro (ou o coração, diria a F.)
Sempre foi assim: o cansaço é o melhor anti-coiso. Um gajo fartar-se do poço vale mil pílulas, tal como um olhar vale mil olhos, uma cabeça mil corpos e um dia mil dias.
20.1.22
Turíbulos, estrelas e tambores
Só tenho uma dúvida: como é que gente mortalmente doente vai poder deslocar-se até às urnas?
Instantâneos, dias
Oiço a senhora da mesa do lado queixar-se. Tem saudades - mais do que isso, necessidade - diz, de encontrar-se com gente, sair, falar, etc.
Levanto-me e vejo-os, ela e o interlocutor, de máscara até às orelhas. Ele tem um livro à frente: Prática e Contradição, de Mao Tse Tung.
........
O senhor sai do restaurante onde almoço todos os dias (e ele também). É alto, grande, preto até à medula, trabalhador da construção (provavelmente pintor, a julgar pela roupa). Cumprimento-o e ele entabula conversa. "Está frio", diz. Corroboro, ele explica-me que só se apercebem disso quando descem porque estão a trabalhar num andar.
Respondo que mais um mês e isto passa:
- Portugal tem o Inverno curto.
- É verdade. Portugal é o país mais fofo da Europa.
19.1.22
Ateísmo, esforço
No fundo, uma das coisas que esta pandemia veio provar é que a religião é muito menos estranha ao cérebro humano do que a ciência. Esta é construção, adição, acrescento, obra, trabalho, esforço. Aquela é natural, inata, intrínseca.
É por isso que há tão poucos ateus - exige muito esforço.
Terras do Demo
- Fragilidades do ateísmo: como é possível viver sem acreditar no Diabo?
- Povo e diabo só partilham a designação, ou têm algo mais em comum?
16.1.22
Chamuças
Abençoadas mudanças!
Recheio:
1/2 kg de carneiro ou galinha;
2 cebolas médias picadas;
1/2 colher de chá de gengibre;
1/2 colher de chá de canela;
1/2 colher de chá de caril;
1 molho pequeno de coentros frescos picados;
1 molho pequeno de cebolinho picado;
2 colheres de sopa de hortelã picada;^
Fritar a carne picada, juntando sal, gengibre, alho e malaguetas. Quando estiver seca, juntar a cebola e o caril e fritar até voltar a secar. Juntar um pouco de manteiga. A carne deve ficar solta. Juntar as verduras e misturar bem.
Massa:
Sal, manteiga derretida, farinha q.b.;
1 colher de chá de levedura;
1/2 chávena de leite;
1 chávena de água.
Ferver o leite e a água numa panela grande, juntar o sal, a levedura e a manteiga, fazer uma massa para o rijo.
3.1.22
Espelho
Quando se vê a forma como conseguiram condicionar o comportamento de homens, percebe-se o fascínio pelos espectáculos de orcas em oceanários.
Ninguém resiste a um bom espelho.
1.1.22
A menos que
A ideia começa numa grande planície branca na qual escorregam pessoas das mais variadas formas: patins de gelo, trenós, skis. Escorregar é bom, melhor do que a imagem habitual que disso se tem: "escorregou e caiu", "a partir daí foi sempre a escorregar para baixo". Et coetera.
Nada disso. Acordem. Não há ideia nenhuma, nem planície branca, nem patinadores. Não há sequer horizontais nem verticais. Não há nada senão branco, queda e sono, muito sono, o que te acompanha durante esse longo escorrega para o azul do Índico - do qual não pensas emergir, nunca mais.
A menos que seja para ires ao mar das Caraíbas. A menos que.
Do ano novo ao Índico, passando por considerações menos interessantes
Ano bala
Os anos começam todos como o comboio-bala dos japoneses. Alguns descarrilam logo a seguir, alguns levam mais tempo, outros não descarrilam de todo e levam-nos aonde queríamos ir logo no início da viagem.
Que 2022 seja uma dessas balas directas ao destino para todos nós.