25.1.04

Burocracia

"Exmos Senhores

Acusamos recepção da V/comunicação ref. 587, de 16.06.93. Se bem que o conteúdo da referida carta não constitua surpresa para a N., não quero deixar de fazer os seguintes comentários:

a) o objectivo da n/exposição ao sr. Dr. P. B., à Direcção-Geral da Navegação e Transportes Marítimos e à Inspecção de Navios e Segurança Marítima foi precisamente conseguir que o MS/Y "M." fosse registado sem parte dos elementos técnicos solicitados pela INSM, concremente sem os planos de construção. O n/argumento era que, se na França, na Itália - e acrescentamos agora, na Alemanha, Inglaterra e Dinamarca - é possível registar uma embarcação para A. M.-T. [Actividades Marítimo-Turisticas] sem os planos de construção, tal deveria igualmente ser possível em Portugal.

Claro que a N., e o signatário especialmente, subestimaram o facto de esses países não terem nem experiência significativa, nem frotas importantes, nem qualquer espécie de conhecimentos na área da marinha de recreio. Além disso são países reputados pelo laxismo com que encaram as questões de segurança, em terra como no mar; e conhecidos pelo atraso com que produzem e actualizam a legislação necessária às respectivas actividades económicas.

A INSM, e os outros organismos portugueses por nós contactados, possuem nessa matéria uma massa de conhecimentos que os dispensa de qualquer evolução, de qualquer mudança, ou tão-somente de aceitar como válido aquilo que a França, a Itália, a Inglaterra, a Alemanha e a Dinamarca julgam suficiente nesse domínio. Naturalmente.

Esses países encaram os proveitos económicos que a marinha de recreio lhes proporciona como importantes: coitados, eles não têm acesso aos diferentes pacotes Delors, não têm a nossa habilidade para angariar fundos estruturais (nem para os dilapidar) e precisam portanto de deixar os seus cidadãos morrer afogados em embarcações sem quaisquer condições de segurança para lhes extorquir, deduz-se que sob a forma de impostos sucessórios, alguns cêntimos mais. País com uma frota de recreio internacionalmente invejada, com uma marinha de recreio que enche regularmente os títulos e as páginas das revistas da especialidade, com uma indústrai naval exemplar, Portugal não precisa de deixar desenvolverem-se nas suas águas actividades tão perigosas, tão mortalmente perigosas.

Sugeri numa ocasião ao Senhor Subdirector Geral da Navegação e Transportes Marítimos que enviasse uma equipe de duas ou três pessoas a França e a Inglaterra para observar in loco como são tratados nesses países casos semelhantes aos do "M.". Foi uma sugestão completamente desprovida de malícia: afinal de contas os americanos foram à lua com o saber alemão, e os japoneses são o que são à custa do saber do resto do mundo. Vejo agora o meu erro: deviam ser os representantes desses pobres, ignorantes e desprezíveis países a vir a Portugal, aprender com a Inspecção de Navios que, por exemplo, não se deve inspeccionar navios antes de ter os seus planos de construção, nem permitir que uma embarcação que navega há dez anos, que pesa 50 toneladas para 16m de comprimento faça passeios no estuário do Tejo durante o verão enquanto espera o seu registo definitivo. Devíamos vender o nosso know how na área da marinha de recreio. Mas despachemo-nos, qualquer dia já nem o Togo terá algo a aprender connosco.

b) Para além da incompetência técnica e do imobilismo de que a decisão da INSM é prova, penso que seria tempo de as nossas administrações responderem aos seus administrados num português gramaticalmente correcto.

Talvez devêssemos começar por aí. É lamentável ler cartas com os erros de pontuação e de sintaxe como a que recebemos de V. Exas. Afinal de contas, as pressões de mercado e os países do mundo civilizado encarregar-se-ão de fazer evoluir os conhecimentos técnicos das nossas "autoridades" marítimas: justo retorno, há muitos anos ensinámo-los a navegar. O que eles não poderão fazer, contudo, é ensinar-nos a escrever correctamente a nossa própria língua.

Atentamente,

Luis M. Serpa"


A carta tem data de 28/06/93.

Algumas coisas mudaram, entretanto. Por exemplo, o nome dos organismos. E - mudança maior e seminal - agora já se pode fazer charter em Portugal com embarcações estrangeiras (da União Europeia). Isto é, os nossos regulamentos não mudaram, mas delegámos nas autoridades de outros países a tarefa de garantir a segurança da navegação de recreio em Portugal. Eu aplaudo veementemente, apesar de não pagar impostos em França: os contribuintes franceses que se queixem, se quiserem. Só tenho pena é que estes organismos estejam no local onde estão, perto da Doca do Espanhol, que poderia ser um dos melhores portos de recreio da Europa. Deviam mandá-los para mais perto do Jardim Zoológico.

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