7.11.08

Logística

No Burundi trabalhava 12 hores por dia, 7 dias por semana. Dois meses depois de chegar consegui ter os domingos livres. Ia navegar para o lago Tanganyka. Depois apareceram os sábados. Ao fim de seis ou sete meses tinha um horário de escritório normal. Nos últimos três meses (estive lá um ano, com uma interrupção de um mês), aborrecia-me, porque não havia nada que fazer: uma rede logística funciona sozinha.

Viajava muito, pelo interior do Burundi e pela região limítrofe. Em Kigoma, na Tanzânia, havia uma bicha de 25 quilómetros de carruagens de caminho de ferro com assistência. A cidade mais bonita a que ia é Bukavu, no Zaire. É linda de morrer, nas margens do lago Kivu: a costa é muito recortada, cheia de pequenas baías, mais ou menos profundas, e muito escarpada. As casas estão construidas nas colinas em torno dessas baías; nunca se vê mais do que um minúsculo pedaço da cidade. Tudo num estado lastimoso, degradado - depois do Zaire, Moçambique parecia um país novo.

No interior do Burundi comia-se mal. Levava comigo pão e azeite, e no caminho comprava os melhores legumes que jamais comi, que eles vendiam aos magotes, 20 ou 30 miúdos apinhados em torno do carro, aos gritos, a mostrarem os cestos nos quais dispunham os legumes, a empurrarem-se. O barulho e a confusão eram inacreditáveis, incompreensíveis - mas a verdade é que acabávamos sempre por comprar um cesto, ou dois.

Nessas viagens, o que mais me impressionava eram as bicicletas, carregadas de cachos de bananas com dois metros de altura. Desciam pelas encostas abaixo a velocidades alucinantes, e como tinham as rodas empenadas parecia que os ciclistas estavam montados num cavalo ao trote.

A maior guerra em que me meti foi contra o Ministério das Finanças. Eles taxavam a ajuda humanitária, o que me revoltava profundamente. Quatro meses de guerra intensa, aberta, com material retido nos aeroportos. Ganhei - a assitência humanitária ficou isenta de taxas de importação. Hoje sei que é um erro: os governos precisam daquele dinheiro numa situação de crise em que a produção está praticamente parada.

O Burundi é o país mais bonito do mundo (depois do Zaire, claro).

Foi a primeira vez que vi um país suicidar-se.

Tudo isto já está escrito por aqui algures.

9 comentários:

  1. Sim, quando li o DV todo (uma tarefa árdua, devido à forma como o arquivo está - fica aqui a reclamação) lembro-me de ter lido sobre este seu período de tempo no Burundi.
    Mas fico sempre encantada com estes seus relatos, Luís.
    :-)

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  2. Coitada, Fugidia, o DV todo? Gabo-lhe o espírito de sacrifício (e o método, o rigor, mas isso é outro debate) e agradeço-lhe a paciência.

    Quanto aos arquivos: a minha intervenção nos ditos é mínima, Senhora. Limitei-me a clicar em dois ou três botões virtuais, ou a responder a duas ou três perguntas do blogger, vá saber-se, e agora a) não sei o que fazer para os organizar melhor e b) não sei sequer o que neles está mal.

    Mas aceito de bom grado todas as sugestões.

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  3. Uma experiência única, Luís, daquelas que nunca mais se esquecem.
    Gosto da expressão "a primeira vez que vi um país suicidar-se". Não da ideia que ela traduz, claro, mas da expressão, que é extremamente poética.

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  4. meu caro amigo, por favor faça um link para os posts antigos e facilite a vida aos seus leitores...
    beijo e bom fim de semana

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  5. Muito simples, caríssimo Luís Serpa!

    Por caridade, vá ao esquema (Layout), na barra da direita clique no edit da caixa do arquivo, e preencha os seguintes campos:
    estilo: lista simples;
    opções: mostrar mensagens mais antigas primeiro;
    frequência: mensal;
    formato da data: Janeiro de 2006
    ou, se estiver em inglês:
    style: flat list;
    options: show oldest posts first;
    archive frequency: monthly;
    date format: january 2006
    e depois clique guardar (save)
    *
    Pode acreditar que assim é muito, mas muito, mas mesmo muito mais fácil lê-lo.
    Agradecida.
    :-)

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  6. Assim será feito, cara esquiva Fugidia. Obrigado.

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  7. Assim FOI feito, Senhora.Obrigado. Espero que esteja de seu agrado.

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  8. Oh, está fabuloso, gracias!
    Tenho é que me acautelar e controlar a vontade de ir relê-lo; afinal, amanhã é segunda-feira e tenho de acordar cedo :-)))

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.