5.5.09

Foi assim que as coisas não se passaram

I

As coisas não se passaram assim. As coisas nunca se passam como as vemos; e muito menos como as dizemos. Ou seja: as coisas não se passaram assim. Nunca. É por isso que muitas vezes pômos aspas nas coisas. Assim: "coisas". Mas a verdade é que as "coisas" nem sempre precisam de aspas, mesmo quando não se passaram como nós as vimos, pensamos ou sonhamos.

Por exemplo: vejamos as "coisas" de hoje. Duas raparigas estão sentadas ao meu lado no restaurante. Outras duas na mesa em frente. As duas ao meu lado estão "sozinhas" - com aspas; e são bonitas, sem elas. As que estão à minha frente têm dois gajos. Uma delas (a que está de costas para mim) tem o rego do cu à vista. São feias, as duas.

Depois foram-se embora. Isto é: as bonitas, que estavam ao meu lado, foram-se embora. Não quero sequer sonhar que há uma relação entre o rego do cu à vista e as outras terem ficado no restaurante, com dois gajos. Nem pensar nisso. Mas há, de certeza. Uma conspiração universal (e se calhar involuntária, inconsciente) contra um velho lúbrico, gordo e careca mas com um certo sentido de estética, que se sente mais estimulado por uma cara bonita do que por umas costas que não acabam a tempo.

Agora apercebo-me que um dos gajos da mesa à minha frente é uma gaja, afinal. São três. As coisas não são, portanto, como as vemos: um dos gajos é uma gaja, porque, simples e irrefutavelmente eu a olhei melhor. O rego do rabo continua à vista, o que é desagradável. Uma delas é italiana. São feias, todas. Mas isso é irrelevante: as coisas não se passaram assim.

Nada, nunca, se passou assim. É por isso que precisamos de aspas nas coisas. Às vezes, pelo menos.

II
Um dia continuarei este post. Quando deixar de pensar nos cus à vista e nas aspas, que são quase tão más como os ditos. Não gosto de coisas com aspas, sejam elas coisas, ou cus; e não gosto de regos de cus longíquos, como dicionários abertos numa mesa à qual não podemos chegar. São feios.

A italiana faz jogos com a palavra "coniglio". Rola-a na boca, devagar, sensualmente, para que o gajo ao lado dela e a gaja que há bocadinho tomei por um gajo reajam. Mas as coisas não se passaram assim. Se se tivessem passado não teriam sido assim. As mulheres bonitas que estavam na mesa ao lado da minha teriam ficado, e as feias que estão com o rego do cu à vista ter-se-iam ido embora.

As coisas nunca se passam como queremos, quando queremos. São misteriosas. Por isso precisamos, tantas vezes, de pôr aspas nas "coisas". Ou de as deixar correr, como cascos de cavalo numa rua empedrada, num coração empedrado, num olhar. Ou comovido, subitamente comovido, porque se lembrou de ti e te viu, no lugar daquela fealdade toda.

III
Isto, claro, porque as coisas não se passaram assim. Não sei como seriam, as coisas, se se passassem como nós queremos que elas se passem. Não faço ideia.

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