19.7.09

Aleatórias et al.

I
Hoje, por exemplo, fumei um cigarro. Apaguei-o cuidadosamente e pu-lo no caixote do lixo. Minutos depois o caixote começou a arder. E eu que fiz? Fugi. Fugi, como tenho fugido de tudo, sempre. De ti, do teu corpo tão bonito, do teu amor, tão leve. Vou chamar-te pelo nome: Fátima; Isabel; Maria; Ângela; Susana; Helena; Rita; Anabela; Hélène. (Hélène. C'est à toi que je dédie ces mots dépourvus de sens). Francisca; Joana; Mariana.

Tantos nomes, tantas noites, tantas fugas, tantos vazios. (Il n'y a que des vides, Hélène; que des vides). É a noite, que queres? Tão vazia, tão sem ti, tão. Tu percebes decerto: uma noite sem ti não é; e contigo tão-pouco. Se bem não aceites, provavelmente; ou sofras. Talvez. Um "talvez" pronunciado letra a letra, mícron a mícron para que dure uma eternidade infinita.

Porque depois do "talvez" vem sempre, inevitável, inelutavelmente um não, uma fuga, um cigarro cuidadosamente apagado, mal.

II
A noite está escura e as estrelas penduram-se nela como brincos. Nós somos as faces, os olhos da noite.

Somos os brincos de uma noite escura, opaca, impenetrável. Não sei se há noites algarvias, minhotas, alentejanas, oceânicas. Há noites, vidas e noites e vidas que o não são. E noites sorrisos, olhares, mamas, ventres, coxas, desejo. Nessas noites, nessas vidas, há sons como pedras na superfície de um lago de montanha; há peles quietas como esses lagos, profundas, nocturnas, tão perto e distantes.

É uma noite distante, Patrícia; Natália; foi uma noite, Luísa, uma só; um noite elíptica, críptica, obscura, da qual só mais tarde adivinhámos os contornos, muito mais tarde. E ainda hoje os sentimos, como se a pedra se tivesse eternizado na superfície do lago.

Sequência lancinante de notas, estrelas, urros e espirais - linhas que se enrolam como se se desejassem e nunca se tocam. Como se se desejassem. Pois bem: vou dizer-te: são duas, as espirais, Martine, tão enrodilhadas uma na outra que acabaram por se querer. Tal como a nossa noite, Dora.

III
Uma questão de acasos e da maneira como se articulam: um acaso a seguir a outro não é nada. Um dentro de outro pode ser uma vida, ou duas.

Lembro-me mal de ti: uma figura longilínea, espiral antes de o ser, oiço-te o respirar irregular, vejo-te os seios, que acaricias como se não fossem teus.

IV
Imagino-te na praia, de dia. O sol jorrava calor como se de uma agulheta de bombeiro. A tua pele quase da cor da areia, os mamilos duas conchas hesitantes. Não ouvíamos o sol, nem o calor, nem o mar, nem o vento. Não ouvíamos nada porque os nossos 5 sentidos tinham-se reduzido a um só: nós. Foi nesse dia que descobrimos a eternidade e nela o nosso lugar.

V
Estávamos a caminho, um dia. De uma cidade, ou uma luz, ou um oceano. Na impossibilidade de uma decisão, escolhemos os três: Lisboa.

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