7.10.09

Silêncios, fantasmas, esperança

Nada ficava por dizer, naqueles dias: esgotava as poucas palavras que lhe restavam da noite em correspondências inúteis com fantasmas de vidas anteriores, e futuras. Para o presente ficavam os silêncios, vários: o do medo, o da esperança, o do espanto.

Não gostava de equilíbrios: via-se como uma encarnação do funâmbulo de Klee, no qual o equilíbrio é um milagre à espera de um sopro para se desfazer. Talvez o sopro fosse o de uma palavra, tua; ou o de um silêncio, teu; ou de um olhar, uma pele, um par de seios que, oferecidos, fariam tudo desabar; e recusados também.

Procurava na solidão uma companhia perene, mas só encontrava o inverso: solidão nas companhias perenes. Tentava - tentou, a vida inteira - substituir "companhia" por "palavras"; falhou: não há palavras perenes. Há, é certo, palavras quase sem fim, como insónia, noite, medo, opacidade, obscuridade, tristeza, tristeza. Mas mesmo essas acabam, quando acaba quem as diz, ou - mais exactamente - quem as ouve.

Ficava-lhe a música: Hidegarde von Bingen, por exemplo.





Mas nem ela era suficiente: nesses dias só um espesso manto de silêncio o protegia dos fantasmas, um espesso e gelatinoso manto de silêncio. Amanhã seria outro dia, e com sorte outro silêncio. Com sorte.




Se não, haverá outros silêncios aos quais recorrer? Seria a morte um silêncio? Não: é ensurdecedora, como um solo de Cecil Taylor, como um dia a olhar para ti à beira mar. Tu e o mar: como a vida.




Nada fica por dizer: as palavras esgotam-se; ou repetem-se, o que é a mesma coisa. Protegido da vida, da morte, das palavras, de ti por um espesso e gelatinoso manto de silêncio procuro um refúgio nas entranhas do futuro: é a isso que se chama esperança.

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