14.6.11

Vento

Está muito vento. Eu estou abrigado e não o sinto; só o vejo - nas árvores, nas saias das senhoras que passam - ou adivinho, nas vagas da água que não vejo, ali ao lado.

Não sinto o vento, o benfazejo vento, mas sei que se a ele estivesse exposto estaria bem. Ver-te-ia talvez, quem sabe, as saias a subir, como vejo as das senhoras que por vezes passam à minha frente; e dir-te-ia "vês, eu bem te disse que devias andar de saias mais vezes"; pôr-te-ia a mão na coxa, o mais disfarçadamente possível, mesmo por baixo do limite do tecido.

Quem nos visse pensaria "que sorte tem aquele tipo", se fosse homem; e "que faz ela com aquele homem?", se fosse mulher. Mas não faria mal: ninguém nos vê, porque eu estou abrigado do vento e tu não estás aqui.

Tento escrever sem repetir palavras - "tu", por exemplo. Surge-me a cada movimento das folhas das palmeiras, a cada vaga que não vejo mas imagino, a cada mulher que passa ou pára à frente da porta do café. Não são muitas, mas posso, seja Deus louvado, dizer de todas elas "tu és mais bonita".

Depois ocorre-me que és o vento, tu, mas ao contrário: sinto-te mas não te vejo. Sinto-te em cada recôndito milímetro de cada vaga da minha pele; mas só te vejo quando olho para o céu e vejo a luz do fim do dia, um hesitante azul alaranjado que iria bem com os teus olhos, que tão pouco vejo mas sinto, nos meus quando olho para o céu.

Um dia levar-te-ei ao mar e ao vento; ou trá-los-ei a ti. Contigo posso fazer isso tudo, mesmo abrigado do vento.

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