29.11.14

Requiem, cidades

Uma cabra no céu brilha no lugar da estrela. É tarde, como se do golfinho ou do vento o sorriso e o salto tivessem ficado suspensos.

Ou a luz. A escuridão abocanha um naco do coelacanto fugido de Herberto Hélder.

Ia a caminho de Amsterdam. Todos vamos a caminho de um sítio qualquer. Alguns encontram-no. Os sítios oferecem-se-lhes como cumulus num dia de verão.

A cabra não. Tem problemas de identidade. Muda de nome e de pasto como muda numa chama a direcção do calor.

A inevitabilidade das coisas é largamente compensada pela sua capacidade de duvidarem. As cabras não duvidam. Comem. Há uma beleza linear, cristalina, aérea numa cabra que come, morta de fome.

Gosto especialmente das sinceridades da fome e da morte. Há uma verdade nelas que nos tritura ou dissolve, não sei.

Também gosto de margaridas antropofágicas.

Fabricar silêncio é um trabalho a tempo inteiro para o tempo inteiro.

Há cidades feitas para isso. Para quem acha que solidão é não ter a quem escrever mais do que não ter em quem tocar. Que a clorofila não é um veneno. Que a vida tem um centro ou, pior, um sentido.

Há cidades para tudo. Até para cantar o requiem como se fosse um hallelujah.

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