14.11.15

Diário de Bordos - Errol Flynn Marina, Port Antonio, Jamaica, 14-11-2015 / II

A vantagem que nós, homens feios temos sobre os bonitos é que quando recebemos um beijo de uma miúda gira sabemos que não é por causa das aparências.

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A piscina é minúscula e a miúda que está sentada no bar tem daqueles olhos enormes, globulares, protuberantes, saem-lhe da face como melancias mas brancas em vez de verdes. A música do bar não é reggae e hoje negociei com José, o cubano dono disto as condições de crédito. Isto é, disse-lhe que não corria risco nenhum de eu fugir sem pagar, o que é verdade. Acreditou, felizmente. Também não admira,  é um gajo inteligente. Só os estúpidos não sabem ver quando um homem diz a verdade ou está a mentir e para se defenderem pensam que os outros estão sempre a mentir. A estupidez é uma das formas da preguiça. O barman chama-se China mas deve ser alcunha porque é uma mistura visível à légua de preto e chinês; mais visível não podia ser. Faz uns rum punch sofríveis mas é simpático como o diabo quando está de bom humor (o diabo. China está sempre,  um bom humor delicado, discreto). O bar não é grande coisa e a piscina minúscula, estou a repetir-me, mas gosto do lugar. As pessoas são fantásticas. Paul, o director da marina pagou - ou melhor, avancou a massa - para a multa, se não teria de ir com o barco para o cais da policia "para eu não ficar com má impressão da ilha". Junior levou-me ao hospital em Kingston. Estava perdido de bêbedo, o hálito dele daria para fazer explodir um estádio (talvez os filhos da puta dos terroristas muçulmanos pudessem começar a adoptar esta técnica. Já não digo comer porco porque isso seria canibalismo ), íamos tres no carro - ele, a "bela namorada" e eu, ela comprimida entre mim e ele, só tinha dois lugares e a meio caminho ele parou para me oferecer uma Red Stripe que é uma cerveja do camandro e provavelmente para se oferecer um rum ou dois "sou mais um tipo de álcoois fortes". Fartámo-nos de rir, ele e eu, porque ele fez uma piada do género "querida, ele está a mexer-te?" e eu entrei no jogo e fomos assim até ao hospital. A miúda ia meio encavacada, só sorriu quando eu disse "se um dia estiveres farta do Junior telefona-me" e o Junior respondeu "pode ser já". "Ainda é demasiado cedo" retorqui e aí sim, ela sorriu. O médico tambem era curtido. Levou seiscentos dólares por uma hora ou duas de trabalho, mas no dia seguinte reduziu o preço para metade e quando acabou o tratamento ficámos ali na conversa, a Consulesa de Espanha ele e eu, a falar de vinhos portugueses e de viagens na Europa e ele fez uns desenhos muito bonitos a explicar o que tinha acontecido à V. Foi uma boa conversa e rimo-nos bastante apesar das circunstâncias, mas eu acho que é nessas situações que se deve rir.

Isto é, se formos ver um espectáculo do Raymond Devos, por exemplo, é impossível não nos rirmos, é normal, inevitável. Mas num hospital com uma conta de seiscentos dólares e uma miúda que quase perdeu dois dedos e um gajo com vinte dólares no bolso e sem saber como ou quando vai sair da ilha é muito mais dificil.

E melhor.

Não tenho má impressão da ilha, não tinha e assim continuo depois desta merda toda, cinco horas de papelada e telefonemas e argumentos e o caraças. Quando tiver dinheiro vou comprar os discos todos do Bob Marley e comer um bom jerk de galinha. O China já me disse onde ir e se o dele não é mau imagino como será um que ele diz ser "o verdadeiro". (Estou a marimbar-me para a verdade na cozinha, mas isso é outra história. Tudo o que é bom é uma construção, uma mentira).

Depois vou-me embora, só preciso de encontrar um tripulante ou dois.

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