22.12.16

Amor, rua

Uma vez amei uma mulher. "Uma vez" não deve naturalmente ser lido à letra. Foram mais: uma, duas, três vezes. Quatro, quiçá. Nunca as contei porque cada vez que amo uma mulher é a primeira vez; e de qualquer forma nunca deixei de amar uma mulher que alguma vez amei. Isto não é demagogia: se amo alguém é porque ela é amável. Não deixa de o ser, ou raramente, se eu deixar de a amar, ou ela a mim, ou os dois. Acontece, claro: já amei mulheres de quem nem o nome recordo. Poucas, graças a Deus.

A calçada está irregular, é desconfortável mas bom andar nela: nem sempre o que amamos é confortável. Talvez até o amor – aquele cujo nome se recorda anos mais tarde – seja desconfortável. Prefiro os passeios desajeitados de Lisboa aos monótonos e cansativos sidewalks de West Palm Beach, por exemplo.

Uma vez amei uma mulher; ainda a amo. Amo-as todas: as que amei e um dia amarei, as que me amam e as que amei e me disseram “não, vai amar para outro lado. Vai passear por essas ruas de que tanto gostas, as que percorres a pé ou quando a tinhas de bicicleta, as ruas que vês do autocarro ou adivinhas do metro”.

Há amores mais desconfortáveis do que outros, amores que se percorrem mais depressa ou mais devagar, amores que nos ou se fazem esperar.

Como as ruas. O amor é bom à solta na rua no mar no ar, no futuro ou no passado, no presente e sempre e nunca. Uma vez amei uma mulher. Vou amá-la sempre, para sempre: para cada uma das que amei há um sempre diferente, construído tijolo a tijolo, passo a passo, beijo a beijo, olhar a olhar, toque a toque.

Nas ruas do amor há sentidos proibidos e sentidos obrigatórios, limites de velocidade, traços contínuos, proibições de estacionar, calçadas escorregadias, pilaretes e polícias sinaleiros.

Se não houvesse não seriam ruas e não seria amor.

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