14.7.17

Diário de Bordos - Aeroporto de Madrid, Espanha, 14-07-2017

A senhora à minha frente tem os maxilares quadrados das pessoas com muita testosterona. O marido não sei: tem a face barbada. Aposto que se a rapasse a teria mais redonda: ali é visivelmente ela quem corta o bacalhau.

Procuram informações do sítio para onde (provavelmente) vão. Às vezes parece-me ouvir "Veneza", mas não tenho a certeza. Ela procura no guia e ele complementa-a no telefone: quem diz o que fazer ou procurar é ela. Tem uma voz grave, vai bem com o queixo; e um tom rápido, dinâmico, claro. Ele faz o que ela lhe diz e de vez em quando, entre duas instruções dá-lhe um beijo no ombro, terno, quase lânguido. Ela não reage: continua a folhear o seu guia como se nada fosse.

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Faltam duas horas para o embarque começar. Passaram quatro desde que cheguei. O aeroporto de Madrid não é exactamente o meu favorito, já por a aqui o disse. Desta vez as coisas estão um bocadinho pior por causa de uma estúpida dor na anca esquerda. Como estou em modo "tratar de mim" tenho tomado regularmente os comprimidos...

Isto é bullshit. Passei quase uma semana deitado num sofá. Sem comprimidos não seria andar que não conseguiria. Seria respirar, provavelmente.

Mas a verdade é que atribuo a recuperação tanto ao descanso como à porcaria dos remédios. Por isso hoje tinha no programa sentar-me num canto a  ler, escrever e beber um copo de vinho, talvez dois. Fui procurar um restaurante aqui do aeroporto do qual gostava muito. Tive de ir de autocarro para o outro terminal, andar para trás e para a frente (mais para a frente do que para trás) para confirmar o que o Google me tinha dito, demasiado tarde: fechou.

Fiquei um bocado decepcionado mas parecendo que não isto tudo levou uma hora e ensinou-me (ou confirmou) várias coisas: googlar antes e não depois; nos filtros de segurança não me pôr numa fila que contém quatro homens árabes de barbas compridas; a perna está melhor mas não está boa.

Regressado ao Terminal 4 (cada viagem de autocarro são dez minutos, exagerando pouco) encontrei uma mesa perto de uma tomada para o carregador e sentei-me. As místicas da Idade Média  (e não só: Teresa d'Ávila está no lote) descrevem as visões com mais qualidade literária do que muitos autores eróticos descrevem orgasmos. 

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