8.7.17

Desfasamento

Fui consultar o DSM, doutor e não encontrei "desfasamento múltiplo espácio-temporal" em lado nenhum. O DSM é tão exaustivo numas coisas e tão falho noutras, não é?

Não sabe o que é DME-T? Acabo de inventar o termo, mas o síndroma é conhecido desde a antiguidade. De Homero a Camus, Álvaro de Campos, Tagore... Foram tantos os que escreveram sobre esta sensação de se estar aqui e ali e não se ser dali nem daqui, de não se ser de hoje nem de ontem - como gostar da modernidade e como não desesperar quando se pensa que nunca a humanidade viveu tão bem -? Como não estremecer à vista de um senhor no mercado que vende "tomates pleine terre" como se os outros pudessem ser considerados tomates e não pensar ao mesmo tempo que esses outros "tomates" permitiram a milhões de pessoas acesso a legumes no inverno?

Estar grato ao ersatz, doutor. Talvez seja este o primeiro sintoma de desfasamento. Como se andássemos numa corda bamba sabendo que ela não está lá e agradecendo-lhe na mesma a ilusão.

Uma corda bamba que vai daqui para ali e de agora para o passado e nós - nós os que sofremos do síndroma - estamos no cruzamento das duas, apesar de ambas começarem onde nós estamos quando lá estamos e acabarem em nós, onde estivemos quando estivemos.

Não sou daqui e não sou de hoje, não sou de ontem nem dali.

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