9.11.17

Correspondência e diálogo II

- Não tarda vais precisar de uma casa.
- Eu sei. Mas vai tardar.

Desta vez quem tinha razão era eu. Levei anos a precisar de uma casa.
- Tu nunca soubeste viver sem uma, não é?
- Não. Nem quero aprender.

Morávamos à frente do Lago, lembras-te? A casa tinha uma pérgola onde trabalhávamos e bebíamos vinho à tarde e tu fazias fotografias de um gato que não sabia que era gato.
- É verdade. Pensava que era um cão. Era o gato mais canino que a natureza jamais produziu.
Passávamos muitas horas naquele jardim frente ao lago.

- Estivemos muitas horas juntos, muitos dias e noites e semanas.
- E mais ainda separados.
- Não suporto relações simbióticas.
- Não suportas relações.

- Penso muitas vezes em ti, sabes? Enfim, pensar não é o verbo correcto.
- "Em ti" também não é correcto. Nunca soubeste pensar em mim.
- É verdade. É mentira. Pensava, mas não sabia que pensava. Amava-te, mas não sabia que te amava. Amava-te como respiro: sem pensar nisso, maravilhado cada vez que me apercebo disso.

A minha vida continuou como era, depois de te ires embora: caótica, bonita, feia, triste, hilariante, rica, exótica, aborrecida, estimulante, divertida. Até precisar de uma casa. Quero envelhecer entre quatro paredes, no meio dos meus livros, a ouvir a minha música e a lembrar-me de ti.

- Devias esquecer-me. E crescer, antes de envelhecer.
- Nasci velho. Não posso crescer mais.
- Ensinaste-me a viver.
- Ensinaste-me a morrer. 

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