8.1.19

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 08-01-2019

Não é propriamente uma vida em montanha russa. São dias em montanha russa, uns a seguir aos outros, dias que me fazem simultaneamente ter inveja de não ser funcionário público e perguntar-me como seria, se fosse? Dias de emoções, sentimentos, desilusões, esperanças uns atrás dos outros, seguidos como vagões num comboio, dias que chegam ao fim e me trazem à mente aquela biografia cujo título é Confesso que vivi. Confesso? Mas confesso a quem? Não confesso nada: digo, grito, declaro, afirmo,  proclamo, certifico, garanto, asseguro, atesto, aprego aos quatro ventos que vivi. Hoje. Ontem também e amanhã igualmente, se Deus quiser, a partir das duas da tarde, hora a que a manobra de arvorar está prevista. Até lá também vivo, espero, desespero, falo com o arquitecto e com o surveyor de outras coisas, escrevo e-mails sobre outras ainda, descubro vermutes fantásticos (enfim, um), por causa desse vermute fico a conhecer uma loja da qual a partir de agora serei cliente quotidiano, escrevo cartas e postais (um de cada) insurjo-me veemente contra o preço de um Campari com vinho branco (e ganho parcialmente), passeio pela cidade na minha bicicleta Òrbita branca, tão bonita, vou aos Correos enviar a carta barra postal, tudo isto contado numa desordem cronológica total mas numa outra ordem qualquer que faz sentido, não sei qual. Sei que o jantar coze e cheira a Bruce Springsteen, que canta no Youtube (sinal seguro de que qualquer coisa se está a passar) é um jantar composto por uma data de coisas, tantas que me é difícil listá-las. O disco é The River e está quase a acabar, não sei se depois volto aos portos habituais se continuo pelos carreiros do passado. Marianne Faithful, estás aí? Say it in Broken English, would you please? Nico, Are you sure the shore is desert? Morreste por estas bandas, não foi? A andar de bicicleta, parece. Queres ser o meu espelho? Estes dias, Nico, estes dias you'll be my femme fatale break my heart in two and play me for a fool. Everybody knows, Nico. Patti, vamos dançar descalços?

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Descubro que afinal tenho um clã, uma tribo, uma família. Chamem-lhe o que quiserem. Irmandade, bando, associação: a das pessoas para quem uma linha de entrada de água num casco é mais importante do que a linha de um extracto bancário, para quem as obras só são vivas se estiverem dentro de água, para quem uma carena bonita devia desfilar num concurso de misses, para quem a linha de flutuação e a linha de vida se confundem numa só, algures no horizonte.

Descubro tudo isto e muito mais: gosto de vermutes artesanais, Palma parece uma mulher linda e de cabeça vazia, Lisboa é puta velha, desleixada, mal lavada e mais inteligente do que todos os clientes que a frequentaram desde que nasceu ou pelo menos desde que é puta, juntos e por atacado. Lisboa é a minha puta e eu sou o único chulo que paga para ter uma galdéria por conta. (Se calhar não sou, somos um monte deles à cata da mesma).

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Amanhã às duas da tarde começo a arvorar o P.

No fundo o meu universo é muito simples: o rum acabou anteontem e a vodka está no congelador, à espera.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.