18.8.19

Sentimentos e outras coisas

A inveja que eu tenho das pessoas que têm sentimentos simples, rectilíneos, previsíveis como o voo de um foguete. É uma inveja boa, note-se, nada dessa inveja mesquinha que só conheço de ouvir falar, não sei o que é a inveja, é uma pena, não é? Talvez ela me levasse para cima, me aspirasse, empurrasse. Não sei. Não acredito muito nesta hipótese: haveria muitos mais ricos, se a inveja enriquecesse.

Nada disso. Penso apenas nos sentimentos simples, sem dúvidas: o amor, a amizade, a tristeza, o medo, a compaixão... Há pessoas capazes de os sentir simplesmente, branco, azul, preto, encarnado. Eu não sou assim, sou um troca-tintas dos sentimentos, ando às voltas, um passo atrás outro à frente o seguinte ao lado. Danço melhor os sentimentos do que o tango ou a valsa.

E depois esta mistura de sentimento e memória, não se vão embora, parecem squatters - não parecem, são. Ficam para sempre. Ainda há pouco ouvia Chick Corea e pensava na miúda por quem um dia me apaixonei: era o seu pianista favorito. Agora oiço My Spanish Heart, não sei por quanto tempo. Nunca sei nada por quanto tempo. Ainda hoje amo a miúda que aos dezanove anos amei. Nenhum marinheiro sabe, dir-me-ás e é verdade. Os sentimentos são como o vento que nos impulsiona: hoje daqui, amanhã dali, depois de amanhã nada e no dia a seguir demasiado.

Talvez seja por isso que sou tão sentimental: gosto de todos os sentimentos como gosto de todos os ventos; gosto de todas as memórias, mesmo as feias; gosto de tudo ao mesmo tempo, mesmo do que não gosto. No fundo é simples, repara: consiste em pensar que tudo na vida é uma moeda. Tem duas faces, nunca sabes de que lado vai cair mas sabes que te saiu a face boa, seja ela qual for.

Sentimentos voláteis, expansivos, contraditórios, imensos. Vastos territórios inexplorados, percorridos aos ziguezagues. Prefiro Miles a Corea.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.