20.12.20

Diário de Bordos - Lisboa, 20-12-2020

Os últimos dias têm sido frenéticos - agradáveis mas frenéticos - e hoje decidi instalar um pouco de calma na melancolia. O dia ajuda, é preciso dizê-lo: a temperatura é suave, o sol azuleja o céu e aquece a rua, descobri um café perto de «minha» casa que é um prazer para todos os sentidos (o único defeito é só terem aquelas horríveis cervejas «modernas», mas enfim. Com isso pode um homem bem). Antes fui comprar pão à padaria Ceres, que tem o melhor pão do universo e aproveitei para beber um café, bastante bom. O cheiro do pão quente escapava-se das entranhas da loja, a mesa fica à janela, uma vidraça grande que nos consegue simultaneamente aproximar e separar da rua, ambos com resultados apreciáveis. A área foi invadida por franceses e a qualidade da alimentação ressente-se positivamente. A tristeza escorrega por mim como o sol pelos pelos de um gato. Vou passar a tarde em casa a trabalhar, dormir, comer (gratin dauphinois, ça va de soi) tudo isto em camadas alternadas como as de um mille feuilles

Há que tratar bem a melancolia, sentimento nobre s'il en est. Acariciá-la e enchê-la de ternura; ela agradece e retribui.

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A cozinha, a escrita  e o mar são os três vêrtices fixos de um quadrilátero que define a minha vida. O quarto oscila, alterna, varia entre a solidão, o amor, um corpo que se dá, a leitura, a bicicleta, a música, a fotografia. Não me posso queixar: o dinheiro nunca fez parte dessa geometria e agora é tarde para o incluir no filme. Fica como está, não se lhe mexe mais na montagem, nem no som.

Enquanto houver domingos como este, a única acção possível é a de graças.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.