8.10.21

Diário de Bordos - Genebra, Suíça, 08-10-2021

Sempre admirei os escritores que escrevem para debelar a tristeza. A mim, esse monstro, essa cadela preta, essa cabra ata-me os braços e cobre-me a mente com um manto de betão armado, intransponível como se aquilo fosse uma central nuclear em vias de explosão. Consolo-me pensando naqueles aparelhos que monitorizam a saúde dos pacientes no hospital e vemos nos filmes: enquanto a linha está aos altos e baixos há vida, quando fica uma linha recta é porque chegou a morte. Talvez pudesse, pergunto eu, era haver uma linha com altos e baixos, sim, mas menos baixos (e quiçá menos altos, mas desta parte não tenho a certeza), não? E com uma frequência mais espaçada? Talvez pudesse, mas agora é tarde. A minha vida vai continuar o que tem sido até aqui: um carrocel de emoções, uma montanha russa, um temporal no qual às vezes ponho de capa e outras corro com o tempo. 

.........
A bise desistiu. As previsões diziam que ficaria três dias, mas abandonou. Em consequência, o tempo voltou à cinzentez habitual. Ficou a temperatura: onze graus. Vou dar um passeio, ver como o cinzento invade tudo, como, de vez em quando, o amarelo / encarnado de uma árvore o vence, como estas ruas, cinzentas ou não, continuam para mim um dos pés do tripé. Daqui a uns tempos terei de cá voltar, receber o neto. Em Lisboa deixo um livro (dois em breve), aqui uma vida. Árvores, no mar, só conheço a árvore seca com que, por vezes, resistimos a um temporal. Foram raras as vezes que tive de tirar o pano todo de um mastro, mas já me aconteceu. Às vezes precisamos de nos despir para sobreviver, de nos quedarmos imóveis, enrolados como um caracol na sua casca.

Talvez. Eu vou desenrolar-me, pegar na máquina fotográfica e olhar para o que vejo. E para o que não se vê - é para isso também que serve a fotografia, não é? É.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.