31.8.22

Diário de Bordos - Puerto de Andratx, Mallorca, Baleares, Espanha, 31/08/2022

A trattoria pizzeria La Dolce Vita já foi um excelente poiso em Puerto de Andratx. Era isso mesmo: uma trattoria onde se comiam umas pastas decentes, uns saltimbocca correctos. Se bem me lembro, tinham Chianti - mas isto deve ser aquela mistura de imaginação e memória (que em mim subsitui uma e outra) a funcionar. Não sei. E quem sabe: teriam limoncello?

Sei que os senhores italianos que eram donos disto venderam a casa a uns indianos simpatiquíssimos mas que de cozinha italiana percebem as raspas que provavelmente lhes ficaram dos antigos donos. Vim cá jantar sabendo o que me esperava: ando meio chateado e não quero pretextos nenhuns para me tirar deste estado, nem mesmo um bom jantar. 

De maneira a minha escala em Puero de Andratx consistiu num almoço na Cantina (entre o assim-assim e o assim-assim, como sempre) e uma lasagna no La Dolce Vita, que está algures entre uma boa merda e outra boa merda. Entre os dois dormi uma sesta inquieta e «lavei» o bote (aspas porque o que fiz não foi lavar, foi dar-lhe uma mangueirada decente e mais nada).

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Continuo a não saber falar com a pequenês e a tentar substituir essa incapacidade por dinheiro. No caso presente é um bocadinho pior porque a pequenês não o é bem, porque a minha lendária paciência (ou tolerância, ou compreensão ou o que quiserem) está constantemente nos limites e eu, que gosto de viver nas fronteiras, gosto igualmente de estar confortável em certos territórios. A tolerância, a paciência, a compreensão - empatia, se preferirem - sendo um desses territórios, nos quais gosto de me sentar refastelado num sofá do qual não há força capaz de me arrancar.

Há. Este mal-estar manifesta-se de todas as formas possíveis e imaginárias e todas elas juntas têm muita força. Prefiro canalizar a indisposição para um jantar medíocre misturado com boas memórias. Incluindo voltar a comer na Cantina, da qual me afastei in illo tempore por questões de má-educação do dono e não de insuficiências culinárias.

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A minha saga a bordo do I. continua.

Não é saga nenhuma, é um charter banal, com gente que não é excepcional nem num sentido nem noutro, Um deles foi embaixador da Colômbia na Rússia, teve quatro vezes com Putin (circunstâncias não elucidadas), conheceu «muito bem» Gorbachev, outro teve as mais altas condecorações que o governo colombiano jamais ofereceu a um estrangeiro (nasceu na Galícia e aparentemente criou um império farmacêutico na Colômbia, com o qual «contribuiu para acabar com o narcotráfico» naquele país - circunstâncias ditto), o terceiro foi administrador e CEO e semi-deus e mais não sei que mais de bancos em tudo o que o mundo conta de países hispanófonos, Flórida incluída. Mai-las respectivas. Tudo muito simpático, é preciso dizê-lo - se bem isso só amanhã, quando o charter acabar se poderá quantificar. Mas ando em baixo de vontades e de conversas, consequência do mal-estar supracitado, sem dúvida. Tudo e todos me aparecem banais, com a possível excepção da lasagna que acabo de comer, que de banal não tem nada.

A banalidade está nos olhos de quem a observa.

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Sexta-feira vai ser dia de «folga». Estas aspas mereciam ser cortadas em quatro, porque o trabalho que vou ter não me vai ocupar nem metade do dia. Sábado parto para França e ninguém pode imaginar quão feliz eu estaria por voltar ao sul de França se não estivesse a meio gás como estou. Já tenho idade para saber que o dinheiro não compra tudo e que usá-lo como abafador de problemas não resolve nada, mas continuo a insistir: não tenho vocação para a acção. 

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«Summer's almost gone / where will we be / when summer's gone?» No Porto, a re-reoperar o olho esquerdo, sem dúvida. Em Lisboa, para montar mais duas ou três estantes e enchê-las com os livros que comprei este Verão. Em Genebra, para ver o neto & cia. Em Palma, para acabar o «meu» P. e pôr-me a andar para as Caraíbas. Em Jost van Dyke a beber painkillers ou em Fort-de-France a comer accras de morue. Prefiro o futuro ao passado: este sou eu quem o faz e aquele é-me feito - ou desfeito - por outrém.

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Apercebo-me agora, tardiamente, que cheguei a Andratx no dia dez de Março de 2018. Ou seja, precisamente quatro anos antes do nascimento do meu neto.

Há por aí alguém que não acredite em coincidências?

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