11.9.22

Loto, Lua

Estou fundeado numa baía do norte da Córsega. Chama-se Loto. Em si mesma não é particularmente bonita. O que é lindo de morrer são as montanhas ao longe, a Lua que acaba de nascer, cheia, feliz, radiante, por trás de uma delas. D. desembarcou, estou sozinho com o P. e a verdade é que estou a gostar da sua calma, da sua parcimónia. É simpático, nada chato. 

Contudo, é-me impossível não pensar nas pessoas que gostaria de ter aqui, em vez do P. A primeira que me vem à mente - terá dela alguma vez saído? - é a R., cuja alegria e vitalidade são iguais à da Lua, nascendo cheia e sorridente, sensual e longe. A noite está muito clara, não há uma nuvem no céu, P. diz-me que se vê nitidamente a cara  na Lua. É verdade, mas a cara que eu vejo é a de uma miúda loira, linda, com quem um dia sonhei e que me fez sonhar muitos mais. Penso na R., na Lua, em mim, na baía de Loto: trajectórias imutáveis que um dia a vida juntou e separou, com o sentido de fatalidade que lhe é próprio. 

Gosto desta ideia de inevitabilidade. A Lua cheia vai subindo, o mar reflecte-lhe a luz como se fosse um caminho, eu olho para essa estrada prateada: tudo previsto, previsível, impossível de mudar. O carreiro que a Lua agora acendeu tem um princípio, mas não tem fim: os grandes amores são assim, nascem e crescem na beira de um precipício. Um cai, o outro segue, o precipício acolhe os dois, separados e juntos. Como é aquela canção da  Charlotte Gainsbourg, "les grandes amours n'ont pas d'adresse / quand l'un part et l'autre reste"? É tão bonita, essa canção... Oiço-a agora, enquanto escrevo e o homem na Lua começa  chorar, como de cada vez que a ouve.

O F. balança suavemente, preso ao ferro pela corrente, como a R. estava presa à sua vida, à sua cidade e eu à minha vida, ao mar. Dois planetas que um dia se aproximaram, tocaram e a gravidade afastou, como esta Lua que agora se afasta da montanha de onde saiu, feliz e cheia. 

Perdi a R., ganhei-a no Loto: abençoada gravidade, que afasta mas não separa, que separa mas não nos deixa largar quem já uniu. Num precipício, bem sei. Num abismo. Na Lua. No mar.

(Para a R., claro. Com um beijo redondo e límpido como esta Lua.)

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