17.9.22

Tempo, contratempo

O tempo encalha por vezes nestes contratempos. Por isso se chamam contratempos. Encalha o tempo e encalho eu, que sou o maior contratempo do tempo. Mais vale dizê-lo já, de resto: a única forma de fazer face ao tempo é recorrer a um contratempo. Ir contra o contratempo de pouco serve, antes pelo contrário: o tempo só se adiciona, nunca se subtrai. E como o tempo, os contratempos. Em favor dos contratempos deve porém dizer-se que são eles os únicos a fazer face ao tempo. 

Como se o tempo se esparramasse nesta mesa da Casa Júlio onde em breve jantarei, feito relógios de Dali, ajudado é certo pelo vinho tinto da casa e empurrado pelo blues da maré baixa. O copo de vinho que a senhora me traz é pouco demais; peço-lhe mais, não vá o tempo fugir-me. Com um copo só o tempo não fica onde está, foge, corre por essa noite fora. Para o aprisionar preciso de mais. 

E ali está ele, na garrafa que por milagre aparceeu na mesa. Tempo parado à espera de vinho a seis euros a botelha. Vende-se barato, o raio do tempo. Eu pediria muito mais, fosse eu a ele. Mas não sou. Não passo de um marinheiro melancólico encalhado no tempo, contratempo perdido no fluido do tempo, rocha no meio das águas a dividi-las, balsa encalhada na margem de um barril de vinho, inebriada e equivocada. Sou um contratempo no caminho do tempo, um atraso de vida, contracorrente na corrente, contravida na vida.

Antes dedicar-me ao vinho, tempo preso no vidro, liberto em mim. Isto é, em mim o tempo espraia-se de novo, a cada gole de vinho. Tanto tempo = tanto vinho. Tenho tempo = tenho vinho. Uma das vitórias do vinho sobre o tempo é não haver contravinhos como há contratempos. Face ao tempo, o vinho leva a melhor, por falta de comparência do adversário.

E face à vida, quem ganha?

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.